terça-feira, 6 de maio de 2008

A mulher que bufa de raiva...

Estava eu na sala de aula da 5a. série da Educação de Jovens e Adultos (EJA), para aplicar uma prova de História, um pouco mais empolgada, aliás, não só eu como a turma, por conta de ter feito uma mudança em meu planejamento semestral - ao invés de ensinar o conteúdo reduzido do ensino regular para os jovens e adultos, optei por trabalhar com eixos temáticos relacionados à vida dos alunos. No caso da 5a. série, trabalho com migrações internas, história regional, cultura e identidades, já que muitos não têm naturalidade paulista.
Distribuí as provas, que deveriam ser respondidas com consulta ao caderno - pois, sem consulta a maioria não faz - e, ao mesmo tempo, fui dizendo as regras: sem conversa, sentar virado pra frente, etc. Disse tudo isso numa boa, argumentei, todos entenderam. Aliás, quase todos.
Quando uma senhora casada - o marido também está nessa sala - de 34 anos, 2 filhos, cujo comportamento é pra lá de ruim, porque não fica sem conversar durante as aulas e sempre está com a carteira virada de lado para poder ficar mais fácil de conversar com sua colega de trás, se dá o direito de não acatar as regras. Deve ser adepta, sem restrições, da frase "regras são feitas pra serem quebradas" como lema de vida...
Enfim, a tal pessoa não virava pra frente. Falei: "Fulana, disse para virar pra frente. Não há possibilidade de você fazer a prova dessa maneira". Demorou uns segundos, fez que não estava ouvindo, não olhou para mim e aí então decidiu virar o corpo pra frente, mas não totalmente. Sua carteira ainda ficou virada. Fui até lá e coloquei a carteira pra frente. Parece brincadeira, mas a "marmanja", mãe (coitadas dessas crianças!), voltou a carteira pro lado. De novo, coloquei pra frente. Nessa hora achei que ia apanhar! ... E por um milagre divino a pessoa permaneceu com a carteira pra frente, mas bufando.
Comecei a falar que não acreditava no que estava acontecendo e sobre a importância de eu estar fazendo a prova daquela forma. Mas a pessoa continuava a bufar.
A prova teve início, depois de explicada.
O intervalo chegou e eu comentei que ficaria na sala - a próxima aula também era minha - e quem quisesse ficar poderia continuar respondendo a prova. Quem não quisesse era pra entregá-la pra mim e depois do intervalo eu devolveria, pois muitos estavam deixando a prova sobre a mesa e, assim, poderia haver "cola". Todos que saíram me entregaram, menos a mulher. Saiu e nem me deu ouvidos.
O marido ficou por um tempo e eu perguntei: "O que acontece com sua esposa? Ela não responde as pessoas ou é só comigo?". Disse o homem que vive com ela: "Não sei de nada, professora". Levantei a sobrancelha e pensei: "Que maravilha!"...
Peguei a prova dela. Nada estava respondido (e com consulta, sendo que ela não falta e tem matéria no caderno, mas tem muita dificuldade, pra não dizer que é analfabeta funcional). Ela voltou e pegou a prova comigo, bufando de raiva. Entreguei e novamente chamei sua atenção. No final da aula entregou, bufando... Praticamente nada feito.
Voltei pra casa, não parei de pensar na situação ocorrida.
Como uma mulher de 34 anos que não pôde concluir os estudos na idade de ensino regular, mãe de 2 pessoas, com dificuldade em aprender, pode não ter respeito com o próximo, não conseguir compreender qual é o seu papel de aluno? Tanto desrespeito, falta de humildade... Pra que vai estudar se não quer? Puramente para arrumar emprego... No caso dela, quando fiz um diagnóstico da turma, perguntei: "Por que voltou a estudar?", ela respondeu: "Porque sem o estudo nós não somos nada", frase mais clichê não existe, mas infelizmente ela não sabe porque escreveu isso.
Não tem educação e como pode educar seus filhos? (Não digo educação dada em escola, mas a que a gente aprende em casa, a como tratar as pessoas). Com as crianças e adolescentes vivemos isso sempre, mas é plausível. Agora, com adulto? Só em chamar atenção dos adultos já é constrangedor, imagine numa situação como a que descrevi acima...
Não soube resolver o problema muito bem. O pior é que a pessoa que aqui escreve faz pós em EJA. Ai... E ainda tenho que ver na Folha de domingo o ongueiro Gilberto Dimenstein, adepto da progressão continuada, escrever: "Ao punir os alunos com a repetência, a mensagem que a escola transmite à criança [ao aluno] é: 'A culpa pelo fracasso é sua'"... E não é também?? Eu disse "também", sei que é um conjunto de fatores, mas não dá pra dizer que a aluna da EJA mencionada é apenas vítima. Isto é irritante... Queria que o Dimenstein conhecesse "a mulher que bufa de raiva".

Fernanda

3 comentários:

  1. Eu também tinha uns cinco adultos assim, que acham desafora você querer dar aula. É simplesmente inexplicável!

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  2. Pois é...
    Hoje foi outro dia desgastante com essa figura, mas nem vou postar pq não vale a pena...
    Beijo

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  3. Eu imaginei a mulher que bufa em várias versões.

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