quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Querido diário

Final de ano letivo, fechamento de notas, faltas, diários, tarjetas, dos livros de HC, HI, PEA, etc. para preencher e entregar para a chefia imediata. Uma chatice sem fim. Se servisse para alguma coisa até que ficaria razoavelmente satisfeita. Não é este o caso.
Vejamos o caso do ensino fundamental municipal. Durante os tais duzentos dias letivos, muitos professores se ausentaram - a maioria em licença médica - e não existia um professor sequer que os substituísse. As licenças foram informadas para a diretoria de educação, que por não encaminhar professores, deixou muitos alunos sem aula durante meses. Os professores que sobraram na escola se viraram para cobrir as ausências dos demais.
O que então registrar nos diários das disciplinas que não foram ministradas?
Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso diria: nada.
Pois então começa a hipocrisia. Todos os diários devem ser preenchidos, com frequências, anotação do conteúdo dado em cada dia, notas apontadas, médias, tudo. Entre os professores se comenta: "Ah! Mas eu que não sou tola de não fazer, senão serei chamada nas férias para terminar!". Como se os alunos tivessem as aulas. É um faz de conta. Uma mentira naturalizada nas escolas.
Uma professora chegou a comentar que na outra escola que trabalha para completar a jornada semanal a cordenadora orienta que se os alunos não tiveram aulas, nada se registra no diário. Pessoa sensata.

Agora imaginemos as condições ideais. Aulas ministradas, todas as informações registradas no diário para acompanhar o processo de aprendizagem dos alunos, sala por sala. Para que serve este registro? O que tem valor, o diário "oficial" ou nossas anotações de aula, que se misturam com os objetivos e as estratégias de ensino?

Na minha escola fazemos conselhos de classe, levantamos os alunos que não podem avançar de nível (série) e entregamos para a coordenação. O que acontece? A diretora manda a cordenadora "passar todo mundo de ano". Passa quem reprovaria por falta, por nota (nas séries finais) e os professores ficam lá, com cara de ué.

Abaixo escolas de mentira, queremos escola de verdade!

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Chave de ouro

Tenho uma aluna na 6ª série A, chamada Luana. Uma das melhores alunas que já tive.
A 6ª série A é a turma que mais gostei de dar aula em toda a minha vida. Por ela, estou com o coração apertado, pois consegui remoção para uma escola pertinho de casa.
Há uns dias encerrei uma aula lá, era a aula antes do intervalo. Quando quase todos saíram da sala, Luana veio ao meu lado, não falou nada, só ficou ali, me olhando arrumar minhas coisas. Achei que ela fosse me perguntar algo, mas... nada. Mais uns segundos de silêncio. De repente ela suspira bem forte. Eu pergunto: "O que foi, querida?", ela diz, olhando pro chão:
- Estou triste...
- Mas porquê?
Chorando, responde:
- É que minha mãe vai me tirar desta escola! Ela me inscreveu no SESI e fui sorteada.
- Mas Luana, lá é muito bom, tantas pessoas gostariam de estar no seu lugar!
- Mas eu quero ficar aqui! Eu adoro todo mundo daqui!
Ficamos conversando por mais um tempo, depois alguns alunos viram o que estava havendo, já sabiam de sua tristeza e vieram também consolá-la e animá-la. Demos um tipo de abraço coletivo. Ela melhorou. Dias se passaram e achei que a tristeza já havia diminuído.
Hoje foi a reunião de pais da 6ªA. Vários alunos e pais presentes, inclusive a Luana e sua mãe. Quando esta foi chamada para receber o boletim de sua filha, comentou que ela será transferida para o SESI, agradeceu a todos os professores pelos 2 anos em que ela esteve conosco. Quando elogiamos sua filha, a mãe se pôs a tagarelar:
- Nossa, ela estuda até demais. Tenho que pedir pra parar de estudar! Se deixar, ela fica lá escrevendo e lendo até meia-noite! Nem assiste televisão!... Sabe, a Luana ama todos vocês, mas já expliquei que será melhor pra ela. Ela disse que de vez em quando quer vir visitar vocês, se ela puder... Meu Deus, ela fala todo tempo de vocês: "mãe, lá na escola professor fez isso, a professora falou aquilo... o professor que todos diziam que era o mais bravo sorriu pra mim... a professora tal tal tal"... Nossa, até me cansa!! Falo pra ela: "Luana, me deixe fazer a janta sossegada!!!"... Ela ama vocês!
A aluna, sentada perto da porta não conseguia parar de chorar. Se levantou, veio se despedir e foi embora com mãe.
Depois de toda aquela cena, fiquei pensando: a maior parte das vezes temos tantos problemas no dia-a-dia escolar, que deixamos de dar conta da importância e do carinho que muitos alunos atribuem à escola e aos professores... Devo ser sincera, eu tinha me esquecido disso nos últimos meses - por falta de atenção - e passei a dar mais poder aos problemas...
Não sou poliana, até gostaria de ser, mas essa história de hoje me deixou tão emocionada!

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Síndrome da Aprovação Automática

Síndrome da Aprovação Automática, ou também conhecida como Lei do Menor Esforço, é o que nós professores presenciamos durante todo o ano nos alunos... É absolutamente incrível como a maioria já incorporou o sistema (aliás, incrível que nada... já era absolutamente esperado). Não precisam se esforçar nem um pouco e já passam de ano. É só sentar a bunda na cadeira que passam, esse é o esforço.
Pior é conviver com alunos adultos que mais do que os pequenos, querem se utilizar dessa (des)vantagem.
Semana passada apliquei avaliações de recuperação a vários alunos. Os pequenos já esperavam que ficariam de recuperação, ficaram meio chateados, mas sabiam que não entregaram atividades e tal. Ou entregaram e tiraram nota insuficiente... Até aí tudo bem...
Fui, então, avisar aos alunos de EJA (ai caramba, meu karma!!) quais deveriam recuperar nota. Um ser humínimo que ficou com nota insuficiente se virou e disse: "Mas como eu fiquei com a senhora? Eu venho todos os dias!! Tem gente que vem menos e nem ficou!"... Mostrei meu diário, com as notas insuficientes, expliquei que apesar de estar todos os dias não quer dizer que ele já aprendeu... Blablablá... Bem elegante, mas na real, minha vontade era dizer: "Não é muito estranho você estar todos os dias e ainda tirar nota insuficiente? Sabe por quê? Você dorme e não presta atenção! Senta a bunda na cadeira e acha que já tá bom!"
Não contente, foi falar com a direção, que me apoiou.
Dia da prova, ele sentou na carteira da minha frente: "Professora, ainda não entendi porque fiquei de recuperação! Tem gente que falta mais que eu e passou!"... Aí eu já estava sem paciência: "Homem, eu já te expliquei. Você tirou nota vermelha, não fez o provão da escola e ainda quer passar sem fazer recuperação??"... Ele fez a prova, com consulta, passou, óbvio. Também não ia adiantar se eu o reprovasse, pois está na 7a. e como não é final de ciclo não reprova. Além disso, mesmo que estivesse na 8a., sua reprovação não dependia apenas de mim, lógico.
Voltei pra casa pensando: Como que não tem vergonha?... Adulto, pai, não fez sua parte e não tem consciência disso. A parte que ele fez e tem plena consciência é a de que deve sentar a bunda na cadeira. Enxerga isto como seu único dever, agora, de pedir os "direitos" ele não esqueceu. Postura que vários alunos já incorporaram desse sistema educacional medíocre: Deveres? Que bobagem! São um detalhe sem importância.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

As coisas

"As coisas precisam ser delicadamente escondidas
Para que possam ser encontradas."

Pina Bausch
(reelaboração livre de Simone Melo)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

EJA, CerEJA, CervEJA, BrotoEJA!

Faço pós-graduação em Educação de Jovens e Adultos. Ontem apliquei o questionário aos meus alunos de EJA, que será analisado em minha monografia. Pedi pra serem os mais sinceros possíveis. Recebi os formulários de volta, respondidos.

Apesar de recorrentemente parar os conteúdos e discutirmos o porquê de aprender tal disciplina, recebi várias respostas de alunos que não sabem e parece que nunca viram nenhuma discussão da importância (ou desimportância) de terem a matéria no currículo... Isso, sem dizer que fiz uma adaptação dos conteúdos à vida deles, ao trabalho, já que praticamente todos são trabalhadores. Pouquíssimos foram os alunos que pensaram pra responder...

Agora com a decepção, me vem o questionamento: o que preciso mudar?? Tá, tá, é todo um sistema educacional problemático, mas ainda quero continuar nele.

Ô, trabalho de formiguinha!

Fala da Professora

Faz muito tempo que queria transcrever aqui esta fala de Marilena Chauí, por dois motivos. O primeiro é o tema, ética, do qual sempre se lança mão no cotidiano escolar, quase sempre com muita carência de uma elaboração que escape ao senso comum - no mau sentido, com seus preconceitos e simplificações que só criam uma emenda pior que o soneto.
Digo isso porque penso mesmo que melhor seria nada dizer a falar o que quase sempre se fala sobre ética nas escolas. Melhor seria não tentar nenhuma aproximação calculada, contentando-nos com os conteúdos de valor implícitos na nossa conduta, em relação aos absurdos "projetos" que se desenvolvem com sentido pretensamente ético - transmissão de filmes americanos em que alguém sofre e depois se salva, ou é salvo por outro, o hábito da reza católica coletiva, não pouco difundido, e por aí afora...). Pois bem. Então, sugiro este texto de fala transcrita para possíveis horários coletivos, quando o tema for nosso conhecido papel de "trabalhar valores". É um começo de conversa que, creio, permite que a coisa saia um pouco da ladainha sentimental de sempre.
O outro motivo é que eu acho bonito, mesmo. Mais bonito é a mulher falando, lógico. Mas minhas capacidades tecnológicas não chegam a tanto...
"Nós somos seres passionais. Nós temos paixões. E as paixões, como o amor, o ódio, a cólera, a vingança, a tristeza, a alegria, a generosidade, elas atuam sobre o nosso caráter. Sobre a nossa índole. E produzem resultados terríveis. Nos colocam desorientados, na vertigem, desvairados, dilacerados, sem saber o que fazer.
A imagem que os antigos usavam pra mostrar o que eram as paixões agindo sobre o nosso caráter, sobre o nosso temperamento, era a de um barquinho solto no mar durante a tempestade. E o barquinho sobe com as ondas, vai pro fundo da água, é arrastado pelos ventos pra direita, pra esquerda, fica sem destino. Fica à deriva.
E é porque as paixões fazem isso conosco que é preciso a educação do nosso temperamento, do nosso caráter, e que é a educação da nossa vontade. A nossa vontade recebendo uma formação racional nos ajuda a escolher entre o bem e o mal, entre o vício e a virtude.
A ética, portanto, é essa educação da vontade pela razão para a vida bela, justa e feliz, à qual nós estamos destinados por natureza."