segunda-feira, 6 de julho de 2009

Pra iluminar algum pedagogo por aí....

(Trecho de correspondência recebida):

"Hoje começou um evento aqui, chamado Epenn, encontro de pesquisa em educação do Norte e Nordeste, 3 mil participantes, imaginem QUANTAS vezes eu tenho que falar "que maravilha!" ao longo do dia... lógico que eu lembro muitíssimo de vcs, principalemtne com os nomes das apresentações (que eu faço questão de não prestigiar). como exemplo só vou dizer: inventaram o termo HUMANESCENTE. Que porra é essa???? gente, é grave, pior que vi em mais de 1 resumo! ou seja, tucanaram os serhumínimos!!!! cheguei umas 5 da tarde em casa e fiquei lendo os títulos, só esperando alguma de vcs online, eu queria ir lendo junto. tem um que propõe como ferramenta pedagógica o uso de palavras cruzadas... no ensino superior!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! tão reclamando da vida, né? peguem um caderno de resumo desses e sejam felizes... "

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Na apresentação das chapas para o grêmio estudantil...

... no Heliópolis, uma das três candidatas:

"PCE - Primeiro Comando Escolar".

sábado, 13 de junho de 2009

Pedagógico pra todos nós...

"Quem briga por causa de besteira não está psicologicamente preparado para ser gente."

Satanislaw Ponte Preta

(E VIVA SANTO ANTÔNIO!!!)

terça-feira, 9 de junho de 2009

Recebi por email

E como ato em desagravo à atual situação de abandono generalizado deste blog, vou começar a postar tudo que é abobrinha!!!

" Essa pergunta foi a vencedora em um congresso sobre vida sustentável:
Todo mundo diz que se preocupa em deixar um mundo melhor para nossos filhos...
Quando é que pensarão em deixar filhos melhores para o nosso mundo?"

O cárcere nosso de cada dia



Um ex-aluno meu me mandou o recado abaixo (via Orkut):

"Oi tudo bom professora? saudades da senhora e das suas aulas a professora la não consegue tomar conta da sala srrsrs..abraço"

Ele comentou sobre a saudade das aulas, mas infelizmente me apeguei à expressão "tomar conta". O conceito de professor está totalmente deturpado. E o pior é que este ano tenho turmas que não consigo nem ao menos tomar conta...

sábado, 6 de junho de 2009

às vésperas dos trinta anos, tem sido bom ler Antonio Gramsci

"Velhices
Fomos acusados de ser velhos. Até zombaram de nós porque não cumprimos todas as promessas, porque prometemos mais do que podíamos cumprir. Em certos momentos, imersos como estamos nesta vida tumultuada que nos envolve, sensíveis como somos às críticas, às faces iradamente zombeteiras de nossos adversários, nós mesmos nos sentimos diminuídos; parece-nos estar realmente decrépitos, parece que não somos capazes de fazer brotar dos nossos lábios a palavra definitiva, a palavra que dê força a nossos órgãos, que infunda vigor aos nossos membros retesados e os torne elásticos, aptos para a luta e para a conquista fecundas.
Mas uma breve reflexão esmaga esse pessimismo. Sentimo-nos velhos porque o destino perverso nos fez nascer velhos. É o ar que respiramos, são as instituições que nos dirigem, são os homens contra os quais lutamos que são velhos. A cada golpe poderoso que desferimos contra essa podridão, um fedor de velharia nos entope as narinas; toda vez que remexemos essa matéria em decomposição, experimentamos tanto nojo que, inevitavelmente, sentimo-nos por ela atingidos. Como o Lao-tsé da lenda chinesa, somos velhas crianças, gente que nasce com oitenta anos. "

sexta-feira, 5 de junho de 2009

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Pedagogia: Ciência, Senso Comum e Bom Senso

TEXTO DA MINHA MÃE
(para a licenciatura em português que ela está cursando)
Já conhecia a história há tempos.
Adorei o texto.


"Dias atrás, li no jornal um artigo sobre o caso de uma professora da rede estadual de ensino que foi agredida por um de seus alunos e me dei conta de que fatos como esse têm sido veiculados com freqüência pela mídia. Pensando que, cerca de trinta anos atrás, eram professores que agrediam alunos, lembrei-me de um episódio da minha infância que me marcou para sempre.
Iniciei os estudos em 1964, com quase oito anos de idade. Era o início da ditadura militar. Naquele tempo não havia creches e as crianças só entravam na escola com sete anos completos; como nasci no mês de abril, tive ainda mais atrasado o meu ingresso escolar. As classes eram mistas, uma mudança recente, pois antes, meninos e meninas estudavam separados. O Brasil tinha acabado de fazer uma reforma ortográfica e por isso o ambiente de aprendizagem estava confuso: enquanto os professores ensinavam a nova ortografia, a antiga ainda estava presente em muitos livros e materiais impressos.
Eram tempos de disciplina rígida e a sociedade ainda admitia o velho conceito bíblico de “educar pela vara”. Não raro, crianças apanhavam dos pais e, mesmo na escola, essa prática ainda era aceitável. Eu mesma presenciei muitos puxões de orelha em crianças com dificuldade para entender as lições e ouvi, certa vez, a mãe de uma coleguinha dizer para a nossa professora: “Se for preciso, a senhora pode bater.”
Estávamos no início do ano letivo de 1966. Eu cursava então o terceiro primário. Nos dois primeiros anos, as crianças usavam lápis e borracha, mas agora, iríamos usar caneta, uma grande responsabilidade, afinal ainda não existiam os corretivos e o caderno, é claro, tinha que ser muito caprichado, muito bem feito.
Minha professora, Dona Maria Luiza, era uma moça bonita, de pele, olhos e cabelos claros. Tinha vinte e três anos – minha memória a congelou nessa idade. Havia pedido para providenciarmos uma caneta azul, para escrever o “ponto” - assim era chamada a matéria de estudo, e uma caneta vermelha, para escrever o “título do ponto”.
Antes da aula, passei na venda do Português, onde minha mãe comprava a prazo. Perto do caixa, entre balas, chicletes, cigarros, fósforos, isqueiros, havia umas canetas Bic penduradas num barbante, mas só três ou quatro, e todas vermelhas. Então pedi uma, que o Português marcou na caderneta, e eu fui para a escola.
A professora começou a aula pedindo que abríssemos o caderno e escrevêssemos o cabeçalho – o nome da escola, da cidade e a data. Depois, ela ditou o título da lição:
_ “O Esqueleto”.
Andando entre as carteiras, lia pausadamente a matéria para que fôssemos escrevendo:
_ “O corpo humano é sustentado por uma estrutura óssea composta de...”.
Tudo era novidade aquele terceiro ano. Eu anotava, com minha caneta vermelha, única, muito preocupada em fazer uma letra bonita.
Dona Luiza entrou na minha fileira. Olhava cada carteira, de um lado, de outro, supervisionando os cadernos das crianças. Quando chegou ao meu lado, teve uma reação súbita: arrancou da minha mão a caneta e, quando a olhei assustada, deu-me um estalado tapa na cara; tão vigoroso que minha face ficou dormente. Diante do meu espanto e, vendo-me desabar em choro, começou a se “explicar” aos gritos:
- Eu não disse que a caneta vermelha era somente para escrever o título? E... blá, blá, blá... – continuou vomitando.
Humilhada, miúda nos meus nove aninhos, senti-me ainda mais “pequena”. Meu rosto ardia, pelo tapa e de vergonha.
Voltei para casa com os olhos vermelhos e minha mãe quis saber o motivo. Ainda muito abalada, contei-lhe, entre lágrimas, sobre a injusta bofetada. Tentou acalmar-me, quis saber detalhes, e por fim, resolveu que no dia seguinte me levaria à escola e falaria com a professora.
Minha mãe não tinha o primário completo, mal sabia ler. Nunca tinha tempo para as reuniões da escola, pois passava o dia no tanque, no fogão, na máquina de costura, sempre ocupada com as tarefas domésticas, e ainda, para ajudar no orçamento, fazia flores de papel para vender. Mas, no dia seguinte, foi comigo para a escola.
No pátio, envergonhada com aquela situação e com medo da professora, eu segurava firme na mão da minha mãe. Tocou o sinal e as crianças correram para formar filas, por turmas, para cantar o hino nacional e depois seguirem com as professoras para as salas de aula. Minha mãe esperou terminar aquele ritual patriótico e então se aproximou da minha professora e perguntou:
- A senhora é a Dona Maria Luíza?
- Sim – disse a moça, sorrindo.
- Eu sou a mãe da Deise, vim porque ela apanhou ontem da senhora.
- Ah, sim. É que eu expliquei sobre o material, mas ela não entendeu. - Esclareceu a professora.
Minha mãe retomou:
- Minha luta é grande, em casa, com as crianças. – e prosseguiu:
- Também não me importo quando meus filhos tiram notas baixas, mas, de comportamento, exijo sempre nota 100, no boletim.
A professora olhou para mim com um sorriso meigo e disse, querendo nos consolar:
­­- Sua filha é uma boa menina, isso foi apenas um incidente.
Então minha mãe parou um instante para pensar. E reformulou:
- Quantos anos a senhora tem, Dona Luíza?
- Vinte e três – ela respondeu.
- Pois é! Eu tenho quarenta e quatro – retomou minha mãe, com firmeza. - Tenho seis filhos e nunca precisei levantar a mão para educar nenhum deles.
Acho que naquele momento a professora se deu conta da superioridade pedagógica da minha mãe.
- Estou aqui para lhe dizer que a Deise tem mãe. E que nunca mais bata na minha filha! – completou.
A moça se desculpou, constrangida. Confesso que naquele momento, meu constrangimento também era enorme e que durante todo aquele ano não me senti bem nas aulas.
Mas nos anos seguintes, à medida que eu crescia, a imagem da minha mãe, que hoje já não vive entre nós, foi crescendo sempre para mim. Agora ela é gigante.

São Paulo, 10 de maio de 2009 "

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Foi Ontem

Eu até hoje não fumo cigarillos na frente dos alunos, nem nas imediações da escola!
Em relação a los hombres, no entanto, adoro que me perguntem se sou casada, pra responder que sou mãe solteira e só quero saber de NAMORAR, que homem dentro de casa dá um trabalho danado...
Alguma coisa pode melhorar com o tempo, vai, S.
:)

quarta-feira, 6 de maio de 2009

dos comentários e da natureza deste espaço

Como sempre, depois que escrevi o último texto, liguei pra minha mãe. Já tinha decidido que não iria mais importunar ninguém com minhas fantásticas reflexõezinhas, e não ia mais ficar pedindo e implorando pra regina, surya, fernanda, robson, deus e todo o mundo ler e me falar o que pensa a respeito disso ou daquilo, que o povo tem mais o que fazer nesta vida, e eles já me agüentam falando sem parar, então chega, vou parar com isso. Mas mãe é mãe, então, pensei, pra ela eu vou ligar. E quando falei mãe, escrevi hoje um texto no blog, ela respondeu eu já li. Achei curioso, porque fazia muito pouco tempo que eu tinha postado. Conversamos sobre o post durante meia hora, mais ou menos. Sobre coisas que ficaram claras, sobre outras que não ficaram claras, sobre a pertinência ou não da busca de uma qualidade literária, e em que sentido, sobre o que eu quis dizer e sobre o que ela entendeu. E tudo isso ficou só pra nós duas. Pior que ter ficado só pra nós duas, ficou restrito àquele momento ao telefone, e provavelmente não será lembrado por nenhuma de nós duas dentro de muito pouco tempo. E, sabe lá, alguma coisa ali podia ter importância, ao menos pra nós duas.
Ela me disse que não escrevia suas objeções nos comentários porque não tinha muita certeza delas, não estava em sala de aula. E isso me fez pensar em algo que também fico com vontade de dividir... tenho a impressão de que criou-se uma noção de que a publicação, no blog, de um texto, tem a finalidade de ser aplaudida, e de que os comentários só devem ser feitos quando são elogiosos. Mas não, ao contrário. Se há objeções, elas precisam ser colocadas. Podem ser objeções quanto ao que se diz, ou quanto ao como se diz. Sobre ter falado borracha, ou deixado margem a interpretações falsas. E se a pessoa que tem uma objeção não tem certeza disso tanto melhor - os dois podem caminhar juntos na reflexão. E isso ficar registrado. Se tiver vergonha, pode arrumar um pseudônimo, que nem eu fiz. É pra ser um exercício, de escrita, de reflexão, ué. Se sair alguma baixaria, depois a gente apaga (hihihihihi) e pede desculpas...
Mas quem tiver vontade, não deixe de meter o bedelho um pouquinho aqui, porque se já tivermos todas as certezas não precisa de blog, nem de internet, nem de nenhum contato - é só cada um sair fazendo e acontecendo, e tudo resolvido. Mas a gente, que está na educação pública, se conhece e se admira e respeita, começou com isso de blog justamente porque não vem dando conta do recado, e mais que isso, porque acredita que ninguém pode ser feliz sozinho!
Então, eu enquanto tiver algo pra falar, falo. Mas se puder contar com a ajuda de vocês pra falar melhor, fico agradecida. Eu, de minha parte, tento ajudar quem quiser.
E feliz dia das mães pra todas...

Recomeçar...

Bom, pra além dos recomeços de nossas vidas, de ciclos que se encerram e se iniciam, dos planos que temos que fazer - e executar, do ano do búfalo, difícil e profícuo, quero recomeçar a conversa.
Sei que não deve ter ninguém lendo isso aqui, espaço que andou deixado de lado, mas os assuntos voltam a povoar a mente, e de algum jeito é preciso que eles fiquem registrados, que marquem presença na nossa história, e que saiam de dentro das cabeças - elas já têm muito o que guardar...

Antes de mais nada, apenas um registro pessoal:
Feliz Aniversário, Dom R. C. que-não-atende-telefone-nem-em-dia-de-aniversário!!!!

Profim do ano passado, me recordo que as conversas iam me levando pra uma reflexão sobre os modelos de escola. Escrevi até uma postagem sobre a escola católica (pública) em que trabalhara. Tinha ficado me devendo uma pequena historinha sobre a escola seguinte, positivista, dura, laica em linhas gerais, e que rezava o credo da dominação burguesa sem maiores dramas de consciência. Outro conteúdo para a mesma forma escolar. Tem vários causos que ilustram o que quero dizer. Começo pelo tempo...

Escola Industrial
Pois é. Meu drama na escola católica se referia a um ícone pregado na parede, em cima da lousa, na direção para a qual se voltavam os olhares das pessoas. Ali, disposto como em um templo sagrado, como um aviso, ao mesmo tempo objeto de adoração. Aliás, a forma como estão dispostos os corpos na sala de aula também é a mesma do templo sagrado.
Aqui, na escola laica, não era diferente: o ícone estava disposto no mesmo lugar, ao centro e à frente, acima do professor no campo geral de visão, dotando o espaço de um significado particular. O ícone, aqui, era um objeto técnico - um relógio.
"Senhora Eulália", me perguntará o ilustre interlocutor, "não estarás a cometer um certo exagero? Afinal, os relógios têm, ao contrário das imagens religiosas, uma utilidade prática! E os alunos precisam aprender, entre outras coisas, a administrar o tempo..."
Bem.
Por partes. Se os alunos realmente precisam administrar o tempo, toda a disposição de seu tempo e de seu espaço é absurda. O dia de cinco horas está totalmente rasgado em sete partes de tempo, seis aulas e um intervalo, cujo controle absolutamente independe do que façam ou deixem de fazer os alunos. O espaço (a igrejinha) já sinaliza que o adulto ali na frente é quem tem que ser visto por todos - e quero sublinhar que nesta disposição de tempos não poderia ser de outra forma (pois fico me lembrando de tentativas que já presenciei de, nas mesmas aulas, de quarenta e cinco minutos, com trinta e cinco alunos e o currículo vigente a ser cumprido, a escola tentar colocar os alunos olhando uns pros outros... Só várzea! Delírios pedagógicos!!!).
Aqui, estou apenas tentando deixar claro que é mentira que a criança tenha qualquer chance de salvar sua subjetividade diante do tempo. Todo o tempo e todo o espaço explicitam que ela precisa seguir, e não administrar o tempo. Adminstrar o tempo implica entender o que se está fazendo ali, ter a mínima noção de como se fará, de onde se prentende chegar a cada dia, a cada mês, a cada ano. Quer dizer, administrar o tempo pressupõe uma postura ativa. O tempo e o espaço das nossas escolas são, para os alunos, definidores de uma postura passiva.
Assim, se é, evidentemente, mentira que os alunos aprendam, em sentido lato, com os malfadados relógios, vamos nos debruçar sobre a questão seguinte: para quê e a quem servem? E precisamente, no lugar em que ficam?
Servem como ícone. E transmitem, possivelmente, a seguinte mensagem: todos aqui somos governados por uma temporalidade externa às nossas subjetividades. Nós, adultos, não estamos aqui massacrando vocês por puro sadismo. Nós também somos massacrados, por essa entidade que paira sobre todos nós, e à qual também devemos obediência irrestrita. E aqui à frente e acima está o seu representante, o seu enviado entre nós, para que, a cada segundo, nos lembremos de que o tempo não nos pertence.
"Dona Eulália, a senhora já pensou em procurar tratamento psicológico?", é certamente o que dirá o meu caro interlocutor. E eu responderei: Esta não é a questão. Eu não cheguei a estas conclusões todas simplesmente observando os relógios nas paredes, mas sim a sua pedagogia em ação.
Foi triste, mas não vamos chorar.
Era assim: sempre naquele afã de falar e de ser ouvida, diante da generalizada dispersão estudantil, me parecia recorrente que, aos trinta e cinco minutos os estudantes se acalmassem, parassem, olhassem para a frente, e deixassem a aula fluir durante dez minutos. Convenhamos, dez minutos de aula é muito pouco, mas já seria alguma coisa se existisse uma real escuta por parte de todos durante aquele tempo. O que me parecia sempre estranho era como, ao ouvir o sinal, de repente, os alunos (aqueles malcriados, pensava eu), me subtraíam toda e qualquer licença para continuar falando. O conteúdo do pensamento, magicamente, se tornava irrelevante ao toque daquele apito. Com o tempo, aquilo além de me chatear - pois era a informação, repetida seis vezes ao dia, cinco dias da semana, quatro semanas do mês, de que o que eu tinha a dizer absolutamente não interessava - foi me deixando brava. Então, na qualidade de educadora que eu tentava ser, decidi que aquilo não podia ficar assim. Se a aula não interessa, vou ensiná-los a fingir que sim, por educação! E além disso, pensava eu tentando me consolar, sempre pode existir alguém ouvindo e gostando - e, neste caso, a interrupção repentina é indelicada também para este alguém. Ótimo, decidido. Os alunos estão proibidos de berrar, levantar ou interromper a professora de qualquer forma ao simples toque do sinal. Então, o sinal tocava e eu dizia, ou melhor, gritava: "EU NÃO SOU UM ROBÔ!" "Quem pára com o toque de um botão é máquina. Vocês querem ser robôs ou gente?" "A aula acaba quando acabar, não quando um botão fizer soar uma campainha." E, em última instância, "Quem manda aqui sou eu!!!!!!!!", que naquele caos, exigir tanta coerência de si também pode deixar a pessoa doida...
Pois bem. Aos poucos os meninos e as meninas foram entendendo que eu realmente não gostava do jeito que nossas aulas acabavam, e como as crianças se moldam muito aos adultos que têm como referência, passaram a fazer muito esforço para controlar a vontade irresistível de jogar livros e cadernos para o alto, berrar e sair pulando da cadeira quando soava o alarme do fim da aula. Mas a explosão contida às vezes pode chatear mais que a explosão praticada, porque mesmo tendo escolhido ser professor, o sujeito pode ainda ter um tiquinho de dignidade. E é chato ver que os alunos disfarçam por pura consideração, mas continuam desesperados pelo fim da aula...
E no entanto, parecia contraditório, para a minha ingenuidade, que justo depois daqueles dez minutos em que pareciam estar tão compenetrados, olhando tão atentemente na minha direção, e com concentração cada vez maior...
Até que entendi:
O relógio.
Era para o relógio que as crianças olhavam durante aqueles dez minutos, e não para mim!!!
A compenetração era acompanhando o passar do tempo, vazio, e ia aumentando conforme se aproximava o esperado fim - do vazio. Nenhuma daquelas pessoas tomava o menor conhecimento de nada que eu dizia. O fenômeno era claro, pois na sala da quinta série o relógio ficava na parede de trás, não sei porque cargas d'água, e ali, mais de uma vez, os alunos avançaram na aula junto comigo, inclusive invadindo o seu intervalo, por exemplo, enquanto cantávamos, mas também em aulas expositivas.
É claro que a primeira coisa que passei a fazer, daí em diante, foi entrar nas salas, subir numa cadeira e tirar os relógios das paredes! Assim foi como descobri o grande apego sentimental que as crianças já haviam desenvolvido por aqueles objetos. Invariavelmente, os retirava sob uma chuva de lamúrias e até ameaças "professora, pooooor favooooooor, não faça isso" "não, não, não!!" "professora ladra, roubando o meu relógio!" "vamos contar na diretoria!" etc. etc. etc.
É claro que eu mesma já havia tentado, sem êxito, contar na diretoria e na coordenação o que havia percebido. Portanto, estava torcendo pra que os alunos fossem falar com alguém e de alguma forma a questão se colocasse para a escola como um todo. Então, só respondia a cada vez:
"Será que vocês nunca vão perceber que quanto mais bravos vocês ficam, mais eu me divirto?"
E se alguém, em algum dia muito especial, me perguntava a sério porque eu tirava os relógios, eu respondia com prazer, inclusive encenando as caras que eles faziam olhando para o dito cujo e a alegria com o final da aula e com o sinal. Então, aos poucos eles viram que podia fazer sentido. E de fato, a concentração ilusória dos dez minutos finais desapareceu, e com ela o alívio geral pelo fim da aula.
O que, por outro lado não parecia fazer muito sentido era que eu ia todos os dias, de sala em sala, tirando os relógios das paredes. Levava todos, todos os dias, para o meu armário. Mas nem todos cabiam no armário, então, no outro dia - pimba! Lá estavam os relógios outra vez. E toca a professora Eulália doidona, tirar o relógio da parede de novo, e os alunos de novo reclamando, enfim. Até que um dia. Os relógios começaram a sumir de verdade, alguém estava aproveitando para roubá-los (será?). Então, a diretora me chamou, com todo o jeitinho, como quem toca num assunto-tabu (qual seria? a autonomia docente? a nossa incapacidade de resolver as questões pedagógicas coletivamente? minha sanidade mental? ou será que ela pensou que eu estivesse roubando os relógios??? HAHAHAHAHA!!!)
"Eulalinha, querida, por favor, será que você poderia parar com esse negócio de mexer nos meus relógios?"
(Então afinal eram dela, os relógios!)
"Olha, Gisele, a questão é tal e tal, os relógios atrapalham a aula, eu tenho tentado falar nisso, ninguém encaminha o assunto, muito menos uma decisão, etc. etc."
(ela me olhando com uma expressão de infinita condescendência)
"Eulália, não dá pra mudar essas coisas no meio do ano, pro ano que vem, talvez, a gente pode pensar em pendurá-los no fundo das classes... Mas agora, não leve mais os relógios, que eles andam sumindo, etc. etc. etc."
"Tudo bem Gisele, não quero que suma nada que custa dinheiro." Pura mentira, queria mesmo que todos aqueles relógios sumissem, só de raiva. "Vou apenas retirá-los ao início das aulas, e ao final eu os reponho. Mas você promete que ano que vem eles estarão no fundo das salas, por favor?" (assumindo o mesmo tom carinhoso, como se estivesse pedindo pra ela mais um pouco de paciência com minhas excentricidades, como esse negócio de querer que o espaço tenha algum sentido comum à atividade que nele se realiza...)
Mas ela prometeu.
Um amigo professor e artista me sugeriu uma pequena intervenção nos referidos objetos técnicos. Ele sabe mexer na engrenagem e inverter o sentido dos ponteiros. Deixei esta ação direta para as próximas oportunidades...

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Quando a gente acha que já ouviu de tudo II

Estava eu ontem numa maravilhosa reunião do coletivo de professores da escola. Há um mês, a pedido da coordenadora, tenho realizado um trabalho com as duas oitavas séries sobre a China, por ocasião da visita da vice cônsul chinesa à escola. Os alunos leram textos sobre o problema populacional na China, sobre as políticas de controle da natalidade, além, é claro, sobre localização, caracterização dos aspectos físicos da Geografia do país.
A coordenadora comenta que esteve num jantar na semana passada com a vice cônsul, para tratar dos detalhes da apresentação e do debate reservado para os alunos das oitavas séries. A vice cônsul queria saber que tipo de pergunta os alunos estavam pensando em fazer. A coordenadora disse que não sabia, mas que tinha conversado com uma aluna que disse que iria perguntar o que aconteceria caso uma mulher chinesa engravidasse de trigêmeos. A vice cônsul pediu, diplomaticamente, que ESSE tipo de pergunta não fosse feita.
Para completar a situação, a coordenadora avisa que falaria com os alunos das oitavas séries para que eles não fizessem ESSE tipo de pergunta!!! Eu me descontrolei: "Se a escola fizer isso, é melhor rasgar todos os planos de ensino que vocês gostam de escrever aquelas asneiras pedagógicas do tipo desenvolver-a-consciência-crítica-dos-alunos. Francamente!"
Ela jurou que não reprimi-los-ia.

Filha de professora pública estudando em outra escola pública

Minha filha está na segunda série do ensino fundamental de oito anos, numa escola estadual que ficou em oitavo lugar na avaliação de desempenho escolar promovida pelo governo do Estado de São Paulo. Na primeira série teve uma professora tradicional no bom sentido da palavra. Uma mulher que tinha vocação e gostava de alfabetizar, o que era perceptível através da criança.
Pois bem, na segunda série brota novamente a agonia de imaginar quem seria o ser humano que ficaria quatro horas por cinco dias na semana com a criança e com a missão de dar continuidade ao trabalho iniciado no ano anterior.
Passadas as primeiras semanas de aula, fuçando cadernos, bilhetes, interrogando a pobre criança diariamente sobre o que fizeram ou deixaram de fazer na escola, observo que a professora tinha a insuportável mania de mandar as crianças fazer cópias de texto. Foram duas lições de casa cujo objetivo era copiar o texto trabalhado durante a aula (leitura, interpretação) no caderno de casa!!! Fui no dia seguinte perguntar à figura qual era o objetivo de tal exercício (de presidiário). Ela disse que era para ""fixar o texto lido, para elas retomarem o contato com o texto em casa". Perguntei quando começariam a ter produção de texto e ela disse que neste ano não.
Passados mais alguns dias, com a inquietação aumentando, somo três faltas dela em um mês de aula. A criança disse que a professora entraria em licença médica. Observo também que elas receberam uma bíblia de presente e ouvi vários relatos dizendo que a professora lia salmos na sala de aula e falava muito sobre a religião evangélica.
Então era chegada a hora de agir. Levei a criança na escola, fiquei plantada no balcão da secretaria, fui atendida por uma funcionária. Expliquei que queria falar com a coordenadora pedagógica da escola. Ela disse sobre o quê e eu respondi que era sobre transferência de sala de aula. Perguntei, por curiosidade, se a professora X estava de licença médica, ela negou. Depois ela chamou a groooooossa da diretora, que veio prontamente armada até os dentes. Perguntou o que eu queria com a coordenadora, disse que queria conversar sobre os objetivos das aulas da professora X, como a questão da produção de textos, sobre a laicidade da escola pública, etc... Ela começa a gritar: "Qual é o problema da professora falar sobre a palavra de Deus? Nunca é demais falar sobre isso. E não precisa me dizer que a escola é laica que eu sei disso antes de você ter nascido". Eu disse que se a escola era laica e tinha resolvido falar de religião, deveria ser de uma forma contextualizada dentro da história das religiões e que o profissional da educação deveria receber orientação para tal. Depois ela começou a gritar sobre as faltas da professora (que ela tinha ouvido quando falei com a outra funcionária), dizendo que eram normais as faltas e que eles não deviam satisfação disso pra mim! E saiu, me deixando falar sozinha. Veio uma outra funcionária e me ouviu. Eu consegui terminar de dizer o que me propus e acrescentei: "Estou procurando primeiramente a escola para tentar resolver este problema aqui, para não precisar recorrer às instâncias superiores, como a diretoria de ensino". Ela disse "entendi" e pediu para que eu retornasse no mesmo dia às 15h30.
Voltei pontualmente à escola. Fui recebida numa sala, com a diretora, a vice diretora, a coordenadora pedagógica e mais uma outra funcionária que deve fazer parte do incrível mundo dos funcionários readaptados. Disse que o motivo da minha procura era ter observado que a minha filha estava desestimulada a produzir textos, e que espera-se que no segundo ano do ensino fundamental isso seja trabalhado com maior ênfase. A coordenadora toma a palavra, dizendo que passa todos os dias em todas as salas, para verificar se as professoras estão fazendo leitura com os alunos. Eu a lembro que estava me referindo à produção de texto. Digo que já havia procurado a professora, que confirmou que não fariam produção de texto em 2009. Elas resolvem chamar a professora X, que estava no intervalo. Ela chega, volto a dizer o que havia dito às outras, acrescento que não se tratava de uma questão pessoal, pois eu também sou professora e observo a heterogeneidade das salas de aula, e que seria interessante mudar minha filha de sala para ver se ela "pudesse ser estimulada em outro grupo". Repeti a questão da produção de texto, blá, blá, blá. A professora enche o peito e começa a fazer sua defesa: "Mas eu dou produção de texto! Você vê o caderno dela, sabe aquela lição y, eles fizeram, responderam as questões sobre o texto...". Eu fiquei constrangida. A vice diretora percebendo a grande merda que a professora estava falando a cortou e disse: "X, ela está falando de produção de texto e não interpretação de texto!". Ela continuou a se defender com o exemplo do exercício. Eu interrompo, tentando ser um pouco mais clara: "por exemplo, se ao invés de você pedir que eles façam cópia, poderia pedir para que façam uma escrita pessoal, com suas impressões sobre o texto lido, mas eu não estou aqui para dizer o que você tem que fazer, é só para exemplificar o modo como entendo as coisas, entende?". Elas todas começam a desconversar, e a professora X volta pra sala de aula.
A coordenadora começa a se justificar: "Sabe como é, neste ano mudou muito o quadro de professores, mas pode ficar tranquila que eu vou ficar de olho..." Ou seja, ela, paga para observar in loco essas coisas não vê, tem que aparecer uma mãe para dizer o que a professora não está fazendo.
Depois todas elas começam a falar sobre a minha filha, que era amorosa, etc.
Volto no final da aula para buscá-la. Vejo no caderno um pedido de produção de textos. Engraçado, né?

sexta-feira, 20 de março de 2009

Assunto de muléres...........?

Hoje as crianças trepam cedo, né? Mas também são estupradas, encarceradas, torturadas. Odiadas. Quem dá aula na périferia, ou quem vive na periferia - onde a vida privada é mais pública, por assim dizer, sabe que não é um ou dois não. Nossas crianças nascem para ser odiadas. Certamente, pra quem é cristão, ter raiva de filho já é proibido, não? E ódio, então? Ah, não, o ser humano é um animal biologicamente, geneticamente predisposto a sempre amar os filhos. Mesmo os que não são desejados. Mesmo os frutos de violência. Mesmo os que vêm pra aumentar a fome de todos. Se você for gente, só vai amar os filhos. E como quase todo o mundo é gente, quase todos os filhos são amados. Certo?
O problema da criminalização do aborto está estourando em cima de nós, mulheres, que o praticamos em nossos corpos por que sabemos que não somos seres estritamente naturais, que o amor em nós não é natural, e que exigimos o direito de amar os filhos que tivermos. E que só amaremos os filhos que quisermos.
Somos criminosas, sob nossa legislação fundamentalista.
Assim como é criminosa no fundamentalismo muçulmano a pessoa que salvar uma condenada à morte por adultério de sua execução. "Sabia qual era a lei? Não pensou no que estava fazendo? Morra, enfrente as conseqüências."
Tão definitiva como a morte é a vida.
E nós, que recusamos essa definição religiosa-intitucional dos nossos destinos e dos destinos de nossos filhos, nós que consideramos que cidadania não é o cumprimento estrito de legislações, mas a luta por uma legislação justa, democrática e laica, nós que fazemos aborto e assumimos ter feito, nós, em cujos corpos crescem outros seres humanos, estamos sendo, somos penalizadas, conforme a legislação, por não ceder à hipocrisia.
Mas o problema do aborto não é nosso, não. A gente fica sozinha, desespera, chora, é vítima de preconceito e julgamento pelos fundamentalistas que se encarregam de catequisar o mundo em todas as horas vagas, é vítima de falta de atendimento médico, às vezes até de cadeia. Mas tem a consciência tranquila, por ter feito tudo e ido contra tudo, pelo direito humano de amar os filhos, de não ter filhos que não serão amados.
O problema do aborto, de verdade, é dos que nascem.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Crise mais braba

é crise de falta de assunto.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Da Cultura Escolar (ou como o ser humano é feito pra ser melhor que isso que andam querendo que ele seja)

Resumo, inicialmente, a vida escolar da minha filha, sem me alongar porque o assunto dá muito pano pra manga. I. passou seis meses, desde um ano e três até um ano e nove meses de idade, num berçário particular, meio período, sem maiores problemas. Tinha um ano e dez meses, já andava com muita segurança e falava frases, quando tornou-se educanda do Projeto Piá, público e gratuito, comprometido com a educação para a emancipação, localizado num espaço também público. Ela tinha quatro anos quando o coletivo de educadores desse projeto entrou em crise, e, com a saída das educadoras mais antigas, mudou substancialmente sua linha "política e pedagógica". Então, aos quatro anos, I. foi matriculada numa EMEI perto de casa - a Gabriel Prestes. Não se adaptou ao tratamento recebido ali, adoeceu, eu adoeci junto. Fui até a assistência social da Universidade de São Paulo, expliquei a situação, chorei, e conseguimos matriculá-la no creche da USP. Melhor dos mundos possíveis, ali a I. foi muito feliz, e teve um desenvolvimento emocional, intelectual, físico, muito acima até do que eu esperava. Baseado, eu acho, no respeito ao universo infantil, às suas particularidades emocionais, à sua imaginação, e, sobretudo, à sua inteligência, à capacidade das crianças levarem as coisas a sério quando são levadas a sério.
Mas a experiência com a Gabriel Prestes, que eu ainda pretendo relatar em detalhes, continuava a ser um fantasma, pois me atormentava o problema de como seria cada ano, cada professora, quando I. ingressasse no ensino "fundamental".
Então, inscrevemos a pequena para o sorteio da Escola de Aplicação da Faculdade de Educação, e torcemos muito, e ficamos realmente muito felizes ao ver que ela foi sorteada, pois tínhamos certeza de algumas coisas que pareciam insubstituíveis: não é uma escola particular, ou seja, não se apresenta à criança um universo social absolutamente alheio à realidade brasileira. Além disso, o ato educativo ali, pela mesma razão, está fora da relação mercadoria, ao menos no tocante à "clientela". Por último, e, infelizmente, mais importante, porque sabíamos que ali não haveria problemas da ordem dos que encaramos na rede municipal ou estadual (tais como a brutalidade ou a inação por parte dos adultos).
Assim, antecipou-se em um ano a saída de I. da creche-oeste, experiência de formação tão feliz, em troca de garantir os restantes oito anos do ensino fundamental e três do médio numa escola digna. Intuitivamente, resolvi prevenir minha filha de que, de um jeito ou de outro, agora seria uma "escola", que a escola é obrigatória e ela não ficaria para sempre na creche, que portanto não poderia ser como era a creche, mas que era uma escola bem legal. A referência de "escola" que ela tinha, entretanto, era a EMEI Gabriel Prestes (onde ela tinha que ficar sentadinha, quietinha, sem "atrapalhar" e nem fazer p. nenhuma). Então ela ficava me perguntando: "Mãe, será que não vai ser que nem a EMEI Gabriel Prestes?" , e eu explicava que não, isso não precisa te preocupar, filha.
De fato, depois de ter chorado bastante quando soube que "amanhã tem aula", depois de ter ido pra escola com o pé e a mão atrás, ao final do primeiro dia de aula a menininha era só alívio: "Foi ótimo, gente, vocês tinham razão. Conhecemos isso e aquilo, faltou conhecer a biblioteca, vamos amanhã" e tal.
Ufa. Parece que vai ser mais fácil e menos sofrido do que eu havia imaginado. Vai assim um dia, dois, algum contratempo em relação à questão da entrada, uma amiguinha que aparece e espera a I. pra entrarem juntas de mãos dadas, as coisas se encaminhando. Eu penso: realmente, a I. é adaptável. Para ela não se adaptar, a coisa tem que ser feia - se tem algo interessante pra fazer, a possibilidade de ser ouvida e segurança emocional, pronto, ela está tranquila.
Até que, no terceiro dia, depois de algum tempo conversando sobre outros assuntos, sem nenhuma grande angústia aparente, apenas uma nota de decepção na fala:
"E aí, filha, como foi na escola?"
"Médio."
"Como assim?"
"Uns meninos na classe ficaram brigando."
"Mas isso é comum."
"E aí a professora, e aquela pessoa lá, a que mostrou a escola no dia da entrevista..."
"A Luciana?"
"É, a Luciana falou que nessa escola isso é proibido. E que quem não entender que é proibido vai ter que entender de outro jeito. Vai ser levado pra direção, e ali eles vão explicar muitas vezes, durante muito tempo..."
"Entendi."
As crianças têm cinco anos, e já estão sendo ensinadas a, quando realmente precisarem de atenção, procurar a diretoria - que ali, meus queridinhos, não tem pra todos não. Mais que isso, o sentido de estar ali vai ser encontrado na diretoria, e mais que isso, não como uma parte do processo com a qual a criança se sente envolvida, mas como punição, como ameaça. Minha filha, acostumada que está a ser levada a sério por seus educadores, simplesmente não entendeu patavina. Mas intuiu que alguma coisa estava assim, "pobre e simplória", assumindo a linguagem dos filmes infantis, ou, melhor ainda, "probrecicróis", como costumamos dizer.
Vamos imaginar esses meninos daqui a uns cinco anos. Aprontam, porque querem ir para a diretoria, encher a paciência - já que logo eles vão descobrir que a atenção que procuram é lá que conseguem. Os outros, os dóceis, não vão aprontar, porque vão ter medo de "ter que entender de outro jeito", seja lá o que isso for. Mas isso não quer dizer que necessariamente terão conseguido toda a atenção e consideração que almejam, mas que, pelo contrário, aprenderam que estão errados em querer mais do que se lhes oferece. E por acaso tem como ser de outro jeito, se uma mulher passa quatro horas e meia com trinta crianças de cinco anos? Acho que não, mesmo.
E o ensino é obrigatório, e como tudo o que é ruim pode piorar muito, agora são nove anos obrigatórios, e tem gente querendo que sejam doze, ou seja, a questão da qualidade, na prática, está totalmente suspensa até segunda ordem.
Eu, para piorar, não podia deixar a I. pensando que está sendo diariamente entregue aos incapazes, ou seja, não podia me indignar junto com ela. Então, falei:
"É assim mesmo, filha. Na escola tem muita gente, então as pessoas precisam entender como as coisas funcionam logo, e só a professora nem sempre consegue explicar pra todo o mundo." Mas como ela tinha entendido que o discurso era mesmo na base do medo, que de besta ela não tem nada, eu falei ainda, com ela e com o pai dela, que pior que uma escola onde os bagunceiros têm medo da direção é uma escola onde ninguém respeita nada, porque sabe que nada acontece nem na direção nem em lugar nenhum, e os bagunceiros governam.
E que no fundo não precisa ter medo, porque ali na escola onde ela está, na direção ou em qualquer lugar, as coisas vão ser sempre resolvidas com conversa, e é só estar disposto a conversar a sério.
É o que tem pra hoje.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Primeiro dia de aula

Ontem foi o primeiro dia letivo da rede municipal de ensino da cidade de São Paulo. As crianças empoleiradas nas listas das classes, para ver com quem passarão os próximos 199 dias letivos, qual será a sala de aula, quem serão os professores... A G., da oitava série, minha aluna desde a quinta série, com a unha pintada de rosa cintilante; sua colega com máscara de cílios; os meninos com os tênis limpinhos...
Entro na sexta série ah, que não foram meus alunos na quinta série mas que já levaram muita bronca minha no teatro e principalmente no corredor das salas de aula. Eles me viam e saiam correndo [eu adorava isso!!!]. Paro na porta da sala, com cara de pouquíssimos amigos, como se dissesse: "Enquanto todos não se sentarem e ficarem em silêncio não entro!". E fui prontamente atendida. Finalmente eles teriam aula com a tal professora brava de Geografia. Os olhinhos deles brilhavam, muita expectativa depositada na figura do professor, que na maioria das vezes os decepcionam. Então me apresento, peço para que façam o mesmo, listo as regras da escola (elaborada pelo coletivo de professores e direção), depois listo as minhas regras, as cinco regras da aula de Geografia, eles ficam surpresos, e quando chego no ítem cinco, "proibido falar palavrões", espanto geral, explico também que as pessoas devem se tratar pelo nome próprio, que o respeito entre eles começa pelo chamamento e que vai até o modo como tocam o corpo do outro "meninas e meninos só podem tocar no corpo do outro se houver permissão e tem "certos toques" que não são permitidos na escola". Todos, todos deram uma risadinha no canto da boca, tipo "entendemos, não precisa dar exemplo".
Faço alguns testes para ver o que a anta do professor do ano anterior "ensinou", descubro que foram coisas com muita sequência lógica, tipo espaço geográfico, lixões, região, natureza... Pergunto: vocês sabem reconhecer as principais projeções cartográficas?, sabem localizar pontos na superfície terrestre através das coordenadas geográficas?... e nada. O mínimo não foi tratado, mas as questões que passam no Fantástico, ou então no Globo Repórter sim. Eles se desesperam, a ponto de elaborarem perguntas assim ó: "Mas a gente nunca vai poder saber isso que a senhora falou?". São acalmados.
Já estou empolgadíssima. Eles são muito fofos.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Pedagogia do Palhaço

Só uma rapidinha, pra contextualizar... estou fora de sala de aula, provavelmente por dois anos. O blog tem o intuito de servir pra troca de experiências sobretudo de salas de aula do ensino público fundamental, mas eu vou continuar falando das experiências que tiver, ou através da minha filha, ou da experiência "acadêmica" mesmo, seja lá o que isso for.
Então, retomando as postagens: hoje conheci um rapaz na faculdade que tem uma formação pedagógica prática e autodidata (é claro, aprendeu também com seus pupilos, mas só tardiamente recorreu aos mestres). Ele é artista, e me falou coisas muito interessantes. Falou, por exemplo, que o professor é um ator, e que o ideal é que faça isso conscienciosamente. Eu pensei na personagem que, dando aulas na rede, construí - essa tal "professora Eulália". Lembrei do início da separação (parcial) entre eu e ela. Lembrei de quando ia encarar meus alunos totalmente sem máscara, e de como as conversas com profissionais mais velhos havia contribuído para, aos poucos, não me envolver tão visceralmente, tão sem mediação. Comentei com ele que tenho uma coleção de guarda-pós. Comentei também sobre quando, alguns anos atrás, uma professora mais experiente me aconselhou a não gritar, não vociferar - ou, ao menos, antes disso, observar os alunos com certo ar de desprezo, longamente, pois esta conduta provocaria reações mais interessantes, um aluno cutucaria o outro, o grupo sentindo que algo se esperava deles, mas tendo tempo, chance de tentar fazer algo para corresponder à expectativa, ao contrário dos berros, mais comuns e menos efetivos. Esse moço ficou assustado, e , ao que parece, não entendeu muito bem a estratégia. Disse em resposta uma frase muito forte:
***
"Se você vai criar uma personagem, ela tem que ser, PELO MENOS, um pouco melhor que você."
***
Mas o que mais me marcou foi ver o brilho que esse cara tinha nos olhos, quando falava do seu trabalho. Só não entrei em crise porque já estava desde antes... Vocês certamente me entendem.