segunda-feira, 16 de junho de 2008

Makarenko e Santo Antônio

Dia treze, por sinal, sexta-feira treze. Do ponto de vista pessoal, um dia muito estranho, vá lá, um dia de bruxa, como se diz. Mas pra quem já é meio bruxa, não pega nada. Vem o que tiver que vir, e a gente traça!
Queria era contar mais uma façanha da minha venerada mestra - a que eu chamo de diretora da minha escola. Festa junina, no dia de Santo Antônio - só para as crianças e para a gente!!!
Sem os pais, sem a comunidade, sem as bebidas alcoólicas, o tal do bingo, sem a loucura. Sem nenhum fim lucrativo - levantar verba para a APM fazer isto ou aquilo, não, ao contrário: a APM gastou uns mil reais para comprar prendas e brinquedos, que as crianças levavam nas brincadeiras. Comiam pipoca. Apresentavam-se (sim, as mães que pudessem estar presentes eram aceitas como platéia. Só.) Foi tãããããão divertido. Festa, mesmo. Nem sei se do outro jeito dá para ser legal, até acredito que sim. Mas a questão é: desse jeito, não tem erro: é matematicamente impossível juntar todas as crianças na escola, num dia sem estudo, com brincadeira, doce e música, e não ser muito legal. Impossível. Ainda por cima, Santo Antônio mandou um dia lindo. Pronto.

Então, assistindo às apresentações, encostei na camarada professora de português (ela é brava, mas eu gosto muito dela. Acho bolchevique), e comecei a conversar sobre a escola. Estava comparando com outros lugares onde havia trabalhado, aliás a propósito de uma pergunta que ela mesma me fez: "Eulália, você trabalhou lá naquela EMEF em tal bairro, como é..." Assim. E eu, dizendo que todas as boas intençoes pedagógicas e esquerdistas que reinam por lá são absolutamente inócuas, porque a educação é inócua sem a primazia da disciplina para o conhecimento, sobretudo no caso dos adolescentes. A professora vira pra mim com uma expressão entre desconfiada e reprovadora (já disse que ela é brava). Eu prossigo: "Camarada professora, você conhece o Poema Pedagógico, livro de um educador soviético, o Antón Makarenko? É um relato sobre uma colônia para menores na Ucrânia revolucionária da década de vinte..." E fui dizendo como ali, e já naquela época contra toda a literatura pedagógica, aquele educador assumiu em seu coletivo a necessidade de disciplina como eixo da educação. Ia começando a acrescentar que num contexto de comprometimento a disciplina não é violência, mas sim a ausência dela, e que em nossas escolas o que se observa é uma disciplina vazia de sentido, cruel e covarde para com as crianças enquanto elas são mais fracas (leia-se os pequeninos, justamente aqueles que ainda não poderiam ter maturidade para um autodisciplinamento, ficando à mercê de todo tipo de violência vinda dos adultos e tornando-se depois seres resignados ou rebeldes, em todo caso, não disciplinados para o conhecimento). Bom, ia eu desenvolvendo tão instigante exposição, a julgar pelo olhar da professora, que alguns minutos antes era de desconfiança e agora passava a um certo desespero por sair dali, quando fomos interrompidas, para alívio da minha honorável interlocutora, pela moça do correio elegante. A primeira coisa que eu disse, vocês já podem imaginar:

-Não acredito! Como se vocês já não paquerassem o suficiente, agora a escola resolveu incentivar!!
-Não, professora, não foi a escola, não. É a gente mesmo que resolveu recortar cartolina e está brincando...
(Sorri. Achei muito legal.)
- Tem um correio elegante anônimo para vocês...
(Aí, a professora de português olhou a letra:)
- Anônimo, Luana? Mas essa é a sua letra!
- As pessoas falam e eu escrevo, minha letra é bonita.
(Nós duas, as adultas:)
- Ahhhhhh.

A Luana vira e vai embora, com seus coraçõezinhos que têm tanto amor, bem mais do que eu gostaria que tivessem...
Eu e a camarada olhamos os recados, com um certo receio, que nesta profissão tem que estar preparada para tudo, sabe...
O teor dos dois recados, para as duas professoras, é exatamente o mesmo:
"Professora, te adoro. Quando você briga comigo, meu coração dispára." E o outro:
"Professora, quando você me dá uma bronca, gosto mais ainda de você".
A camarada não queria admitir, mas é muito mais disciplinadora do que eu (aliás, é por isso que eu gosto dela, lógico.)
Então, só pra acabar, eu disse:

- Você viu? Nossos alunos, de acordo com Makarenko.

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