quinta-feira, 23 de abril de 2009

Quando a gente acha que já ouviu de tudo II

Estava eu ontem numa maravilhosa reunião do coletivo de professores da escola. Há um mês, a pedido da coordenadora, tenho realizado um trabalho com as duas oitavas séries sobre a China, por ocasião da visita da vice cônsul chinesa à escola. Os alunos leram textos sobre o problema populacional na China, sobre as políticas de controle da natalidade, além, é claro, sobre localização, caracterização dos aspectos físicos da Geografia do país.
A coordenadora comenta que esteve num jantar na semana passada com a vice cônsul, para tratar dos detalhes da apresentação e do debate reservado para os alunos das oitavas séries. A vice cônsul queria saber que tipo de pergunta os alunos estavam pensando em fazer. A coordenadora disse que não sabia, mas que tinha conversado com uma aluna que disse que iria perguntar o que aconteceria caso uma mulher chinesa engravidasse de trigêmeos. A vice cônsul pediu, diplomaticamente, que ESSE tipo de pergunta não fosse feita.
Para completar a situação, a coordenadora avisa que falaria com os alunos das oitavas séries para que eles não fizessem ESSE tipo de pergunta!!! Eu me descontrolei: "Se a escola fizer isso, é melhor rasgar todos os planos de ensino que vocês gostam de escrever aquelas asneiras pedagógicas do tipo desenvolver-a-consciência-crítica-dos-alunos. Francamente!"
Ela jurou que não reprimi-los-ia.

Filha de professora pública estudando em outra escola pública

Minha filha está na segunda série do ensino fundamental de oito anos, numa escola estadual que ficou em oitavo lugar na avaliação de desempenho escolar promovida pelo governo do Estado de São Paulo. Na primeira série teve uma professora tradicional no bom sentido da palavra. Uma mulher que tinha vocação e gostava de alfabetizar, o que era perceptível através da criança.
Pois bem, na segunda série brota novamente a agonia de imaginar quem seria o ser humano que ficaria quatro horas por cinco dias na semana com a criança e com a missão de dar continuidade ao trabalho iniciado no ano anterior.
Passadas as primeiras semanas de aula, fuçando cadernos, bilhetes, interrogando a pobre criança diariamente sobre o que fizeram ou deixaram de fazer na escola, observo que a professora tinha a insuportável mania de mandar as crianças fazer cópias de texto. Foram duas lições de casa cujo objetivo era copiar o texto trabalhado durante a aula (leitura, interpretação) no caderno de casa!!! Fui no dia seguinte perguntar à figura qual era o objetivo de tal exercício (de presidiário). Ela disse que era para ""fixar o texto lido, para elas retomarem o contato com o texto em casa". Perguntei quando começariam a ter produção de texto e ela disse que neste ano não.
Passados mais alguns dias, com a inquietação aumentando, somo três faltas dela em um mês de aula. A criança disse que a professora entraria em licença médica. Observo também que elas receberam uma bíblia de presente e ouvi vários relatos dizendo que a professora lia salmos na sala de aula e falava muito sobre a religião evangélica.
Então era chegada a hora de agir. Levei a criança na escola, fiquei plantada no balcão da secretaria, fui atendida por uma funcionária. Expliquei que queria falar com a coordenadora pedagógica da escola. Ela disse sobre o quê e eu respondi que era sobre transferência de sala de aula. Perguntei, por curiosidade, se a professora X estava de licença médica, ela negou. Depois ela chamou a groooooossa da diretora, que veio prontamente armada até os dentes. Perguntou o que eu queria com a coordenadora, disse que queria conversar sobre os objetivos das aulas da professora X, como a questão da produção de textos, sobre a laicidade da escola pública, etc... Ela começa a gritar: "Qual é o problema da professora falar sobre a palavra de Deus? Nunca é demais falar sobre isso. E não precisa me dizer que a escola é laica que eu sei disso antes de você ter nascido". Eu disse que se a escola era laica e tinha resolvido falar de religião, deveria ser de uma forma contextualizada dentro da história das religiões e que o profissional da educação deveria receber orientação para tal. Depois ela começou a gritar sobre as faltas da professora (que ela tinha ouvido quando falei com a outra funcionária), dizendo que eram normais as faltas e que eles não deviam satisfação disso pra mim! E saiu, me deixando falar sozinha. Veio uma outra funcionária e me ouviu. Eu consegui terminar de dizer o que me propus e acrescentei: "Estou procurando primeiramente a escola para tentar resolver este problema aqui, para não precisar recorrer às instâncias superiores, como a diretoria de ensino". Ela disse "entendi" e pediu para que eu retornasse no mesmo dia às 15h30.
Voltei pontualmente à escola. Fui recebida numa sala, com a diretora, a vice diretora, a coordenadora pedagógica e mais uma outra funcionária que deve fazer parte do incrível mundo dos funcionários readaptados. Disse que o motivo da minha procura era ter observado que a minha filha estava desestimulada a produzir textos, e que espera-se que no segundo ano do ensino fundamental isso seja trabalhado com maior ênfase. A coordenadora toma a palavra, dizendo que passa todos os dias em todas as salas, para verificar se as professoras estão fazendo leitura com os alunos. Eu a lembro que estava me referindo à produção de texto. Digo que já havia procurado a professora, que confirmou que não fariam produção de texto em 2009. Elas resolvem chamar a professora X, que estava no intervalo. Ela chega, volto a dizer o que havia dito às outras, acrescento que não se tratava de uma questão pessoal, pois eu também sou professora e observo a heterogeneidade das salas de aula, e que seria interessante mudar minha filha de sala para ver se ela "pudesse ser estimulada em outro grupo". Repeti a questão da produção de texto, blá, blá, blá. A professora enche o peito e começa a fazer sua defesa: "Mas eu dou produção de texto! Você vê o caderno dela, sabe aquela lição y, eles fizeram, responderam as questões sobre o texto...". Eu fiquei constrangida. A vice diretora percebendo a grande merda que a professora estava falando a cortou e disse: "X, ela está falando de produção de texto e não interpretação de texto!". Ela continuou a se defender com o exemplo do exercício. Eu interrompo, tentando ser um pouco mais clara: "por exemplo, se ao invés de você pedir que eles façam cópia, poderia pedir para que façam uma escrita pessoal, com suas impressões sobre o texto lido, mas eu não estou aqui para dizer o que você tem que fazer, é só para exemplificar o modo como entendo as coisas, entende?". Elas todas começam a desconversar, e a professora X volta pra sala de aula.
A coordenadora começa a se justificar: "Sabe como é, neste ano mudou muito o quadro de professores, mas pode ficar tranquila que eu vou ficar de olho..." Ou seja, ela, paga para observar in loco essas coisas não vê, tem que aparecer uma mãe para dizer o que a professora não está fazendo.
Depois todas elas começam a falar sobre a minha filha, que era amorosa, etc.
Volto no final da aula para buscá-la. Vejo no caderno um pedido de produção de textos. Engraçado, né?