sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Blog de pais de alunos

Vejam este blog: http://www.educaforum.blogspot.com/

EducaFórum

Entre algumas notícias e posts, tem um aviso de uma campanha deles: "Não deixe de denunciar o mau profissional!"...

terça-feira, 25 de novembro de 2008

DESESPERO

Segunda-feira, pós-eleições municipais:

" - Professora, é verdade que o Kassab quer que as crianças fiquem sete horas por dia na escola?"
" - É sim."
" - Ó, Nãããããããããoooooooooo!!!!!!!!!!!!!!"

domingo, 23 de novembro de 2008

ciclo que se encerra

Talvez os companheiros ainda não saibam, mas estou fora de sala de aula a partir desta semana, creio que por dois anos, dedicando-me prioritariamente aos estudos e às nossas reflexões coletivas. Ao longo desse tempo, penso sim em manter a atividade pedagógica num nível laboratorial, mas pra isso preciso ainda encontrar alguém que tope fazê-lo comigo, ou por amor à causa, no tempo livre, ou que use a mesma estratégia que eu - dedique uma parte do tempo financiado pela universidade, em forma de projeto de extensão - formal ou informal, tanto faz.
Então, o ano letivo acabando, tive que apressar o final de semestre, deixando de lado algumas coisas que ainda faria, e antecipando outras. Em seguida, pedi a exoneração.
Não tive coragem de contar para as crianças que estava indo embora. Pedi às minhas colegas que não o fizessem. Ouvi objeções do tipo: "Mas não é melhor falar a verdade logo, você não acha chato ficar enganando as crianças?" Respondi, numa boa de verdade: "Não, não acho. Acho que na verdade a gente já engana, porque não há garantia nenhuma de que ano que vem serei eu a professora deles, qualquer professor da rede que chegar no concurso de remoção tem prioridade sobre mim na escolha das aulas. Além disso, faltam duas semanas para acabar o ano. O que tinha de verdade pra ser feito já foi feito. As crianças são sentimentais, eu também sou sentimental. Quero me despedir deles com alegria, levar e deixar uma lembrança boa, e não sair como a desertora que na verdade não sou." Tudo bem. Ninguém estava interessado em semelhante exposição de motivos, que pareceu supérflua e enfadonha. Mesmo assim fiz questão de dizer. Se alguma das colegas agora resolver prestar um grande serviço à sacrossanta verdade, que o faça sabendo que no fundo é uma sacana de uma fofoqueira.
Às correrias, portanto. Diários de classe: HAHAHAHAHAHAHA!!!! Sempre soube que deveria confiar na minha intuição. Este ano, só de pirraça, não preenchi um (1) puto diário. Havia levantado, ao início do ano, a possibilidade de realizarmos uma chamada por dia em cada classe (e não seis, cada professora fazendo a sua, e tendo por sua vez que fazer seis chamadas por dia!). Nossa escola tem controle de presença, ninguém cabula aula impunemente, há muros grandes, funcionários em número suficiente para saber o que os alunos fazem uma vez lá dentro. Então, argumentava eu na ocasião, para quê dedicar seis vezes mais tempo que o necessário com esta atividade tão desagradável? Houve respostas de vários tipos:
"É assim que eu aprendo os nomes deles."
(Esta na época me desarmava. Eu estava chegando e não sabia o nome de ninguém, mesmo. Mas se fosse hoje, não me desarmaria - passei, de pirraça como disse, o ano todo sem fazer chamada. E aprendi o nome de todo o mundo do mesmo jeito.)
"Eu gosto, estou acostumada. Sempre fiz assim."
(Essa eu rebatia bem. Tentava dizer, polidamente, que, do modo como temos feito, as coisas não andam saindo tão bem a ponto de acharmos que não devemos mudar. Mas mesmo com toda a cortesia de que eu era capaz, essa constatação deixava minhas colegas muito bravas...)
Bem, como tantas vezes, o assunto virou tabu. Em horários coletivos, quando eu falava nisso novamente, algumas mulheres davam uns gritos, outras sussuravam numa língua desconhecida, e eu só ia constatando cada vez mais a semelhança da nossa sala a uma convenção de bruxas. Tá bom, pensei. Eu não vou mais perder tempo com isso, que se dane.
É claro que se eu não controlasse presença, os alunos aos poucos perderiam a confiança naquela fantástica instituição - o que se voltaria também contra mim. Sou contra práticas totalmente individuais num trabalho coletivo por definição. Então, inventei o seguinte: ao invés de fazer chamada, entrava e perguntava para os alunos: "Hoje, quem faltou?". Para evitar mentirinhas, de vez em quando do nada eu aparecia com a lista e fazia a chamada em seguida, confirmando as informações que eles me houvessem passado. Nunca estiveram incorretas: os alunos dessa escola são muito caxias, via de regra. Mas como os diários sempre me saíssem com alguma data errada, faltando dia de reposição de ponte, sobrando dia de reunião pedagógica, essas coisas, então este controle eu fazia nuns cadernos da Moranguinho que comprei no início do ano. E os diários, pensava, faço de uma vez quando pedirem - melhor que ter que refazer tudo e deixar tudo rasurado mil vezes. O diário rasurado é uma bola de neve: quanto mais você erra, mais se confunde, e mais ainda erra.
Bem, retomemos a despedida. Não preenchi um puto diário, e agora é que não preencho mais mesmo, nem perante um decreto assinado pelo Kassab em pessoa. Bom, mas as notas e as faltas eu tinha que passar, não é? Então, pedi primeiro a exoneração, que como eu disse para a diretora, "assim eu fico mais livre pra trabalhar." Daí avisei para as crianças que teríamos prova assim, assim e assado, e fui elaborar as avaliações. Comecei a corrigir as atividades que fizemos ao longo do semestre. Tudo isso foi relativamente simples, uma vez fora da sala de aula (!!!).
O que eu realmente não podia deixar de fazer era apressar a nossa apresentação do coral para os aluninhos de primeira a quarta série. Coisa que eu nunca tinha feito, não tinha idéia de como fazer, mas pensei assim: se elas não perceberem minha insegurança, vai dar tudo certo. Porque qualquer coisa que sair vai ser um pequeno ritual de finalização, uma forma de registrar na vida delas um acontecimento ligado à experiência que tivemos. Então, marcamos a data e uns ensaios adicionais, em que eu iria à escola especialmente e tiraria alguns alunos de sala de aula - "Professora, poooor favoooor, me tira da aula da Romilda!!!"
Quando eu era criança, tive uma professora de piano polonesa. Hoje não sou pianista, creio que porque não estudei teoria musical, e me parece que rapidez de leitura de partitura, conhecimento de harmonia, essas coisas, alavancam, estimulam o estudante a deslanchar - por uma variedade de repertório, mesmo: é chato tocar muito tempo as mesmas coisas. Isso não me incomoda muito. Eu ainda me considero estudante, e artisticamente minha maior afinidade é com música popular. Creio que ainda haverá tempo para conciliar educação e música, este coralzinho foi um ótimo laboratório. Mas se falei da minha professora polonesa é porque, curiosamente, ela se tornou minha grande referência pedagógica prática. Referência, sobretudo, de mescla de afetividade, senso de humor e autoridade. Inúmeras vezes, me apanho imitando pequenos gestos que ela utilizava para lidar com cobranças, chantagens ou mesmo probleminhas emocionais mais corriqueiros dos alunos : "Calma, calma, Eulaliazinha querida, tudo vamos resolver, seremos todos felizes!"
Eu falo até as mesmas frases, uso até as mesmas inversões - "tudo vamos fazer" - que no meu caso ficam ainda mais despropositadas para um observador externo, já que à minha professora era concedida a licença poética de ser estrangeira...
Enfim. No caso do coral, a aproximação afetiva com as meninas foi muito grande, e, contraditoriamente, ali eu precisei que elas fossem muito mais subordinadas e disciplinadas do que em sala de aula. Por isso, ali eu creio ter involuntariamente encarnado a professora polonesa mais do que em qualquer outro momento da minha trajetória pedagógica. Esta deve ter sido a principal razão pela qual ninguém percebeu a verdadeira insegurança que eu sentia o tempo todo.
No dia da apresentação, cheguei à escola e chamei as meninas e o Gabriel. "Vamos ficar aqui, no quintal da cozinha que fica atrás do palco." O palco é outra história: fica no pátio do recreio, em área coberta, no térreo, embaixo das salas de aula. A direção quer derrubar, com o pretexto de construir um refeitório. Alguns professores são contra. Eu havia dito, no início do ano, que queria antes de dar opinião, usar o palco alguma vez, para saber se a acústica do lugar propicia que ele seja útil.
Ali, num quintalzinho que eu nem sabia que existia, ficamos escondidos nos arrumando e ensaiando durante as primeiras aulas e o intervalo. Comemos ali, as merendeiras deixaram nosso lanche separado. Vendo o fuzuê todo, até pessoas que nunca colaboram e em geral fazem cara feia, vieram ajudar - trazendo a sobremesa numa bandejinha, arrumando uns bancos em frente ao palco, não se incomodando com a bagunça. As meninas estavam ansiosas e felizes. O Gabriel, meio triste, parecia ter tido algum problema sério em casa. Algumas meninas escaparam durante o intervalo, todas de roupa preta justa, com uns lenços coloridos no cabelo - que eu comprei na vinte e cinco. Estavam muito bonitas, e eu desconfiei que queriam ser vistas. Saí, fui atrás delas. Os grandes de quinta a oitava vieram me cercando: "Também queremos ver, não é justo não deixarem só por causa de alguns que tiram sarro, nós vamos respeitar..." Essas conversas. Expliquei, pedi para a Célia me ajudar a explicar: foi combinado assim com as coralistas, não posso mudar de idéia agora, seria expor as meninas.
Findo o intervalo, chegaram os pequenos, duas a três salas de cada vez, acompanhados por suas professoras. Conversei com eles, chamei as meninas, cantamos e dançamos. Da segunda vez que estava esperando os pequenos se acomodarem e fazerem silêncio, a Luiza - auxiliar de período - veio me pedir:
"A oitava série queria muito descer e está sem aula... Será que eles podem..."
Respondi: "Nem por todo o chá da China."
Ela saiu rindo.
As meninas de primeira a quarta, no final, vieram conversar. Queriam saber se tinha "lugar pra mais uma."
As professoras ficaram muito impressionadas com a civilidade e o interesse dos seus alunos. Eu fiquei muito feliz.
Trocamos muitos beijinhos e abraços, as coralistas sabem que este ano para mim já acabou. E, que, como eu costumo dizer, o futuro a Deus pertence. Oxalá esta despedida tenha sido algum presságio.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

NÃO SOU APENAS EU QUE VÊ

por vários motivos, não estou indo para a escola por estes dias. mas as informações chegam a mim. publico aqui o depoimento de um aluno, enviado por email.

primeiro ele me perguntou se eu sabia o que havia acontecido na escola na segunda-feira, dia 17 de novembro. eu disse que não, pedi que relatasse. segue infos. enviadas abaixo:

"Foi na segunda feira, [hoje, terça] teve aula normal mas nossa sala está sem luz pois quebraram tudo. A orientaçao foi a mesma dos demais dias [nenhuma] e o fogo foi só um susto pois queimaram as lata de lixo e ainda por cima chovia mais dentro da escola do que fora.

Vou contar os detalhes: Nós tivemos as tres 1°s aulas normais, tudo aconteceu por volta das 9.40h, quando estouraram uma bomba bem do meu lado [durante o intervalo]. A J. entrou em pânico, bom, toda escola entrou em pânico. Eu me lembro que a E. falou pra gente ir pegar nosso material porque estavam quebrando [destruindo todas as lâmpadas] da sala de aula. Ai eu fui pegar, mas não consegui, pois [alunos] estavam jogando carteiras no corredor, ai foi aquela correria. Depois, eu e meus amigos conseguimos pegar, mas ficamos presos na 7°D [última sala deste corredor], com o prof. Fernando, até que escutamos mais bombas e sentimos um forte cheiro de fumaça. Quando fomos ver, estavam aqueles lixos do pátio pegando fogo. Depois de uns 20 minutos a polícia chegou, mas quem começou tudo saiu sem nenhuma preocupaçao pois saiu sorrindo, até que arrumaram a escola. Bem o que eu posso dizer é que estamos com muito medo. Eu particularmente estou muito triste pelo que anda acontecendo mas eu nao posso fazer nada!"

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

pensamento para o dia

Bem ao gosto das colegas professoras, coordenadoras, e dos seres pedagógicos em geral - que costumam ter um caderninho, ou uma pasta na caixa de e-mails, de ensinamentos "fisolóficos", provérbios e reflexões - acabo de elaborar um pensamento mui profundo, e quero dividi-lo com meus estimados amigos:

"Estar cansado de ser pedra e assumir a condição de vidraça pode ser um sinal de amadurecimento."

Agora, pra ficar mais parecido com o início de um horário coletivo, ou com uma mensagem por e-mail mandada pela coordenadora pedagógica da escola, só falta arrumar algum desses autores: Lispector, Shakespeare, Oscar Wilde, Drummond, sei lá! Tem tantos que devem estar se revirando na cova com a publicação póstuma de coisas que escreveram depois de mortos (provavelmente em espírito, e uma educadora psicografou)...

Ou, outra maneira de deixar a coisa transcendental, por assim dizer - pode ter vindo do Oriente, ou ter brotado da sabedoria popular, ou mesmo representar uma verdade inquestionável, quase um axioma:

"Estar cansado de ser pedra e assumir a condição de vidraça pode ser um sinal de amadurecimento."
(Autor desconhecido)

Rapidinha

- Ronaldo, advinha o que tem na minha mão!

- Uma bala!

- Não.

- Uma figurinha!

- Não.

- Uma moeda!

- Não.

- Uma borracha! Um prego! Um giz!

- Não, não, não...

- O que tem então, Eduardo?!

- Um tapa! – “Plah!!!

E foi assim que nós viemos parar na secretaria, mãe, nada demais, eu juro...

- Ah é, seu sonso? “Plah!!!”, “Plah!!!”, “Plah!!!” - E mais uma vez a mãe do Eduardo educou o menino.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

DESISTÊNCIA

Estou num momento culminate - ou fulminante? - da minha curta carreira pedagógica: estou pensando em desistir da escola.

Não em desistir das crianças, dos jovens; meu trabalho com eles vai continuar, em outras vias. Talvez não de uma maneira sistemática, institucional, mas vai continuar. Estou (quase) desistindo mesmo da Escola. Dos adultos que a frequentam e a organizam.

O auge deste meu sentimento/pensamento foi na quinta-feira. Quem acompanha o meu blog já viu: no dia anterior, o DIRETOR quase foi espancado. Na quinta, bombas e confusão. Mas, além da falta de compromisso, irresponsabilidade das pessoas que permitiram que as coisas chegassem a este ponto - não canso de me repetir que nenhum problema começa grande, e acompanho isso - foi este fato: vários dos meus alunos, das sextas, sétimas, e oitavas séries envolvidos, de gaiato, indo de paga-pau de uns moleque metidos a bandidos, e me ignorando totalmente.

O bicho lá pegando, eu tentando apaziguar a situação. Um dos mocinhos sai pra fora, chama a "galera" pra voltar pra escola, pra ajudar a zoar o barraco, os meninos - e meninas, várias! - voltam. Eu olho, muitos dos meus alunos. E daqueles que eu tenho diálogo, tenho uma boa relação; alunos que eu botava fé. Chego junto: - "Fulano, vai pra casa, vai ser melhor. Ciclana, volta, colabora. Ajuda!" E eles? Me ignorando totalmente, como se eu fosse um bosta. Um nada. Um Zé-ninguém.

Talvez eu seja. Só não tinha me dado conta, até agora.

A rasteira foi tamanha que eu estou me recompondo. Aliado às ameaças que recebi quase explícitas de agressão física por conta de alguns alunos que, finalmente, só agora, depois de quase bater no diretor, xingar a Coordenadora, agredirem vários alunos, depredar patrimônio público, não assitirem aula há mais de seis meses, ameaçarem, tocarem o terror, agora, finalmente, foi conseguido uma transferência compulsória - quem disse que não pode? E o problema foi, talvez, resolvido. Não sei, os próximos dias dirão.

Fato é que eu não vou para a escola. Estou em licença médica. Eu me dei. Porque quem gosta de mim sou eu, e eu não mereço o desgaste que estou vivendo há algumas semanas, meses. Não mesmo.

Por isso que estou desistindo da Escola. Principalmente desta escola, que não ensina, não educa, não faz nada; só estraga. Por não ter parceiros, por não ter diálogo. Pelos adultos que lá estão presentes não se responsabilizarem. Cansei de brincar de escolinha. Cansei de fazer jogo sério quando todos não estão nem azul. Cansei.

Por enquanto é da escola, mas não sei. O fato de estar olhando concursos públicos por aí, talvez insinue que eu esteja desistindo da educação. Pela primeira vez estou visualizando que sim, isto é possível. Plausível e acredito que será tranquilo para mim.

Fotos da gincana
















domingo, 16 de novembro de 2008

Gincana cultural na escola

De 10 a 14 de novembro aconteceu na escola que leciono uma gincana cultural que recebeu o nome da escola "1a. Semana Jornalista ...". Foi muito duro fazê-la, ajeitar as coisas pra que tudo acontecesse como pensamos (estou falando na 3a. pessoa do plural, mas não me refiro a TODOS os professores e funcionários da escola, pois apenas uma parcela realmente colocou a mão na massa... Ah, mas vamos deixar isso pra lá nesse momento).

Pedimos que os alunos pesquisassem sobre a vida do patrono, sua obra, sobre história do rádio no Brasil, etc. Pedimos rádios antigos, objetos da época... Ensaiamos os alunos com danças da Jovem Guarda (o tal jornalista trabalhou com artistas da Jovem Guarda e dos Festivais da Record, entre tantas outras coisas que ele fez). Ensaiamos cantoria também. Pra encerrar, fizemos uma gincana estilo "Qual é a música?" do Silvio Santos, além de perguntas sobre as pesquisas que os alunos tiveram que fazer e sobre os acontecimentos do decorrer da semana. Tudo muito divertido.

Dias antes do evento consegui contato com as filhas do patrono, que nos concederam alguns objetos do jornalista. Com eles, resolvi fazer um museu sobre o homem. As filhas, que adoraram nossa iniciativa e ficaram muito honradas, entraram em contato com a Bandeirantes (emissora em que o jornalista também trabalhou) e os repórteres foram cobrir nosso tão honroso evento. O que aconteceu no último dia (14).

Desde o início, os alunos estavam empolgadíssimos, sem saberem que iria emissora. A maioria se empenhou horrores. Ensaios, ensaios, ensaios. Resolvi até fazer um perfil no Orkut só por causa dessa semana, pra que eu e minha sala (que sou coordenadora) nos organizássemos melhor.

Tudo seguindo bem, e na sexta apareceu a Band. Eita! Ficaram contentes demais! Fizeram apresentações, repetiram, enfim.

Conversando com o repórter, me disse que não apareceu na 4a.-feira (dia das apresentações e caracterizações - o dia mais bonito da semana) porque foram cobrir a depredação de uma escola em SP. Triste.

Enfim, os caras foram, filmaram, a semana foi muito boa, e quem quiser assistir, vai passar amanhã (se não for amanhã, será terça, tudo depende da pauta do dia) a partir das 13h.

Beijos a todos e boa noite!

sábado, 15 de novembro de 2008

Mais Uma Terça Feira


Mais uma terça feira na Escola Estadual Antônio Qualquer Coisa, e a inspetora Noêmia roda o molho de chaves no dedo indicador da mão direita, caminhando em direção ao portão de entrada das crianças. “Plah! Plah! Plah!”. Antes de por as mãos no cadeado, já escuta o barulho de tapas ansiosos, no latão pintado de verde. Respira fundo, fecha os olhos, faz uma breve prece pro gerente das religiões cristãs, e pensa consigo: “Hoje vai ser um daqueles dias...”. Todo dia ela pensa isso. Ao abrir a passagem, jorra em fluxo violento um rio de alunos agitados, falando alto, cantando, dando estrelinha, e trocando chutes amistosos que viram no último filme da Seção da Tarde. Tirando o barulho, é uma das cenas mais bonitas que a Dona Noêmia presencia durante a semana, e ela sabe disso. Fica ali parada, segurando as chaves, olhando o relógio, e com um tímido sorrisinho costurado no rosto. Dez minutos depois, fecha o portão, tranca com o cadeado, conduz as turmas para suas respectivas salas, e desce para o pátio, onde ficam os alunos da quinta série, todos sem aula, porque a professora de ciências tirou licença-alguma-coisa. A Dona Noêmia senta os oitenta por cento de nádegas, nos cem por cento de banco do pátio, abre o mini manual de instruções de páginas rosas, e começa a ler algum dos seus salmos preferidos.

Lá do outro lado do colégio, perto da quadra, onde há uma cerca daquelas de metal, tipo um tecido costurado, o grupinho da rua de cima dá um jeito de abrir um buraco bastante conveniente para a entrada na escola. Enquanto a Dona Noêmia molha na língua a ponta do indicador da mão direita, e vira as páginas rosas, os moleques vão abrindo a passagem, e entrando um a um, se misturando com os garotos da quinta.

- Dona Noêmia! Dona Noêmia! O Eduardo tá passando mal!!!

A inspetora fecha o livro, estica a coluna, levanta as sobrancelhas e vai correndo atrás do menino:

- Eduardo! Eduardo! O que você tem, meu filho, o que você fez?! – pergunta Noêmia, puxando pra baixo os olhos do menino tonto, com seus dois polegares.

- Liga não, tiazona, é que ele cheirou cola, mas é fraquinho. Daqui a pouco ele volta... – Diz um outro garoto sem camisa, com uma garrafinha de Coca-Cola vazia, na mão, e mochila preta nas costas.

- Quem é você, menino?! Qual a sua turma?! Que é isso de cheirar cola?! Vão vir todos vocês AGORA pra diretoria comigo! Anda! – irrita-se a inspetora, lembrando, inconscientemente, de que lá na Escola Estadual Padre Sei Lá Das Contas, na Bahia, na época em que ela tirava dez em geografia, não existia essas coisas no pátio do colégio.

Foi um total de, mais ou menos, cento e quarenta dentes, alguns brancos, outros cariados, outros só o espaço na gengiva. A questão é que estavam divididos entre cinco bocas, e todas elas rindo da inspetora, mostrando todo o desdém do poder que um jovem revolto de quinze anos possui, ao invadir o colégio alheio. Dona Noêmia pegou o pequeno Eduardo pela mão, levou até a direção, e esbravejou que não dá pra dar conta “daqueles nóias” sozinha, como ela diz. Conclusão: Subiu o diretor com sua voz imponente, a moça da faxina, com cara de má, e a própria inspetora, apontando quem eram os garotos. Quando o diretor gritou, eles gritaram também:

- Vai se foder, sua bichona! Hahaha!

- Tira a gente daqui então! Hahaha!

- Blablabla, seu %#$@!

O diretor gritou de volta:

- Eu vou chamar a polícia agora!!!

E desceu pisando rápido e pesado, pra sua sala, em direção ao telefone. Rindo, três deles fugiram pela quadra, um pulou o portão de ferro, e o outro... O outro perdeu a festa, porque estava fazendo um xixizinho rápido no banheiro, enquanto tudo aconteceu. A inspetora não perdeu tempo: uniu todos os seus ensinamentos cristãos, colocou todos no bolso da bolsa, e foi correndo trancar a porta do banheiro com o menino dentro. O menino esmurrou a porta, quebrou o rodapé, gritou todos os palavrões que conhecia, usou toda sua criatividade para fazer ameaças, até a ronda escolar chegar ao local. Quando isso aconteceu, os policiais pegaram o garoto, levaram pra delegacia pelo colarinho, levantaram a ficha, fizeram a ocorrência, confiscaram a garrafinha de Coca-Cola, nem tão vazia assim, e conseguiram uma semana de hospedagem para o jovem, na Fundação para Menores Doutor Fulano da Costa.

Depois dos sete dias, o menino saiu de lá, e foi direto pra rua de cima, contar sobre sua aventura. Ganhou a admiração de umas meninas, ficou com fama de mau, cresceu na hierarquia do grupo, diminuiu ainda mais as chances de uma vida mais digna para os próximos anos, e voltou pra porta da mesma escola.

Mais uma terça feira na Escola Estadual Antônio Qualquer Coisa, e a inspetora Noêmia roda o molho de chaves no dedo indicador da mão direita, caminhando em direção ao portão de entrada das crianças...

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Gabriel, a lagartixa

Desde o meio do ano, formamos um grupo vocal na escola. Entre oito e doze meninas - já que a assiduidade não é o forte delas, raramente todas aparecem. Muito prazeroso para mim, apesar dos diversos percalços. Por exemplo, no mês de outubro, quatro dos ensaios (oito mensais, até então) foram cancelados por causa das eleições. Mais uns dois, graças à organização apressada de um campeonato na escola, e à conseqüente debandada dos alunos. Perdemos bastante o ritmo, as meninas estavam desanimando, eu também. Combinei uma conversa com elas, só quatro compareceram. Fiquei sabendo que muitas não se sentiam mais à vontade depois que certas garotas da sétima bê apareceram e, além de não levar a sério o trabalho, ficaram caçoando de quem o fazia. "Pagação de mico, professora". Todo um clima de suspense, de intriga, rumores. A atmosfera desta escola é assim: nada é simples. Tudo bem, vamos desistir, eu disse. É preferível desistir com dignidade, as pessoas assumindo que não querem mais e dizendo por que, a esse constrangimento de todo mundo meio envergonhado, meio sem coragem, enfim. Além do mais, com tão poucas meninas, não dá pra ter a apresentação de fim de semestre que havíamos combinado. Conversa difícil. Estávamos assim, sentadas no palco que fica no pátio, quando chegou uma moça muito querida da oitava série, a Célia:
"Professora, quando vocês vão se apresentar?"
(Que hora ela foi encontrar para fazer a pergunta, meu Deus!)
"Olha, Célia a gente está aqui justamente desistindo. Tem muito pouca gente."
A Célia adora cantar, tinha muita vontade de participar, mas desde o começo, não suportou justamente a tal "pagação de mico". Ficava trepada numa árvore na quadra, olhando a gente ensaiar, sempre morrendo de vontade de entrar na roda. Adolescente. No princípio, eu insisti um pouquinho, fiz chantagem emocional: "Célia, vem aqui, queremos você", essas coisas. Mas tem limite, tem que respeitar o espaço da pessoa. Então, depois de um tempo ela não apareceu mais. Engraçado: quando ela me escutou dizer que estava desistindo, ficou realmente muito incomodada:
"Não, vocês não podem desistir! Tem que ter pelo menos uma apresentação!"
"Mas isso seria expor as meninas, Célia. Me diga, se por acaso fosse você, teria coragem de cantar em número tão pequeno de coralistas?"
"Ah, não, professora, não pode! Então, porque vocês não apresentam só para os pequenos, de primeira a quarta? Aí, não precisa ter vergonha!"
Olhei para as meninas. Elas pareciam menos desoladas do que dois minutos antes. Tive medo de ser só impressão minha, não queria forçar a barra.
"Bom, o que vocês acham da idéia da Célia?"
Como fazem tantas vezes, elas esperaram que eu advinhasse.
"Olhem, eu não consigo ler pensamento. Quero que saibam que eu não me incomodo, respeito qualquer decisão de vocês. Mas se nós decidirmos fazer isso, temos que ter três ensaios semanais, com bastante assiduidade. E eu acompanho vocês com o violão, assim a apresentação fica valorizada - quatro vozes e um violão já é bem bonito."
Toparam, ficaram alegres. Nos ensaios seguintes o clima era diferente, as meninas já tinham em mente todo o tempo a tal apresentação. Avisei, durante as aulas de geografia, que ninguém mais entraria no grupo e que não haveria mais tolerância com quem não levasse a sério o trabalho. Fiz questão de usar a palavra desrespeito na classe em que estavam as meninas que haviam debochado. Então, todo o mundo voltou - inclusive elas, as engraçadinhas da sétima bê. Estas ainda me deixaram perplexa com tanta dignidade: chegaram para o ensaio, sentaram-se e ouviram a professora - muito brava - diante de todas as coralistas - muito mais bravas - perguntar: "Como assim, o que vocês vieram fazer?" Disseram que queriam participar. Então, em seguida, repetiu-se todo o discurso de que ali tal e tal condutas não poderiam mais ser admitidas, etc. etc. etc.
Ficaram, seríssimas. Duas princesas. De lá para cá, são as mais dedicadas. Muito engraçado.
Tudo isso para contar que o final foi um recomeço, e assim, como recomeço, colocamos algumas coisinhas no repertório para animar. E as canções foram tomando forma cênica - as meninas coreografam "As Mariposa", do Adoniran, eu tento dar umas dicas de como elas estão se dando a ver no palco, enfim. Finalmente, incluímos no repertório uma canção gravada por Antônio Nóbrega, o "Coco da Lagartixa". E, como eu sei que menina, via de regra, tem muito problema com a questão do ridículo (se um dia elas forem professoras, passa), sugeri que chamássemos um menino para ser nossa lagartixa. É claro, tinha que ser brincalhão e solto, mas não podia ser alguém incapaz de levar a sério a nossa disciplina, não poderíamos repetir o episódio tão desagradável da "pagação de mico". Pensei em alguns: Gustavo, Malcolm, Daniel, Caique...
Elas queriam o Gabriel.
O Gabriel é um aluno da sexta á, francamente descontrolado. Como, aliás, a sexta série á inteira. Doido de varrer, completamente lelé da cuca. Caso seríssimo. Em sala de aula, a cada três ou quatro segundos seu olhar está fixo num ponto diferente do espaço. Briga de mão, passa pelas outras pessoas e dá tapa na orelha, belisca, sai olhando pro outro lado, disfarça. Senta e se finge de comportado, o olhão arregalado. Só pára de verdade para ouvir leitura de história - para isso, todos param. Já conversei sobre ele com a minha coordenadora nos seguintes termos: não adianta chamar pai, não adianta suspender, não adianta mais brigar. O Gabriel tem que fazer esforço físico. Senão, nada feito.
Enfim, o Gabriel não dá, pensei. Nunca vai respeitar nada. Precisaria de alguns anos de um trabalho pedagógico diferenciado para ele virar gente. Mas também não podia dizer isso pras meninas. Então, tentei enrolar: "Tá bom, eu falo com ele daqui a uns dias, é melhor eu falar..." ("Falo é com outro, isso sim, que eu não sou tatu!").
Vocês sabiam que menina de doze anos lê pensamento? No dia seguinte, certamente por advinhar minhas intenções excludentes e anti-pedagógicas secretas, elas mesmas já tinham falado, ele já tinha topado, já tinham arrumado até uma menina-lagartixa, enfim... tudo dominado. É claro que ele topou, quando soube que alguns ensaios seriam em horário de aula ("Professora, por favor, me tira da aula da Romilda??!!!")...
Ensaio com Vicenza e Gabriel. Gabriel pega o pandeiro: tum tum, chictum, tum tum...
"Gabriel, quem te ensinou a tocar pandeiro?"
"Ah, professora, eu não sei tocar, não..."
(Hum.) Explicações. A canção é assim, a lagartixa entra assim, em tal tempo da música, sai em tal outro...
Gabriel encena: lagartixa bêbada, lagartixa com a saia na cabeça, lagartixa dançando coco que aprendeu a dançar em menos de dez minutos, e a tocar também. Vicenza, uma lagartixa princesa. Todos os dois ouvem tudo com atenção - a professora é mais chata aqui do que na sala. Nada de conversar com ninguém na platéia! Nada de ficar dando tchauzinho! Agora vocês não são mais Gabriel e Vicenza, são duas lagartixas! Gabriel, a lagartixa mais disciplinada que eu já conheci na vida.
Termina o ensaio das lagartixas, chega o coral. As lagartixas não vão embora. Gabriel pega um caxixi. Agora temos dois instrumentos de percussão em todas as canções - ele assume uma vaga no pequeno grupo. Num dado momento, as meninas reclamam: "O Gabriel está mexendo com a gente!"
Ensaio o olhar mais emputecido de que sou capaz. "Olhe para mim. Para mim!!! Será que você é capaz de se comprometer a respeitar as meninas nesta aula? Aqui não tem espaço para este tipo de atitude. Entendido?"
"Entendido". Pela primeira vez, percebo que ele ficou envergonhado.
Terminado o ensaio, as meninas debandam, Gabriel e eu seguimos com o nosso sambinha, tocando e dançando. Ele diz:
"Hoje, sabe qual é a primeira coisa que eu vou fazer quando chegar em casa?"
"O quê?"
"Tomar uma surra!"
"Ué, como assim?"
"Esqueci de avisar que ia ficar aqui..."
"Quer um bilhete no caderno, então?"
"É mesmo, professora, boa idéia!"
(Escrevo o bilhete.)
"Nada de chegar mais tarde, certo, Dom Gabriel? Estou aqui escrevendo o horário em que você saiu do ensaio..."
"Valeu, professora!"
"Tchau, querido."
****
As coisas andam assim, meio invertidas, sabem?

domingo, 9 de novembro de 2008

Espaço e Sentido da Educação - I: escola medievalista

Quando era professora na EMEF Olavo Pezzotti, um dos primeiros grandes dramas foi este: as salas de aula eram ambientes, o que quer dizer que eu ensinava geografia o dia todo no mesmo lugar. À tarde, a mesma sala era ocupada por uma professora carola, daquelas que não dá nem pra saber se já chegaram a ver uma... Bom. Essa ilustre criatura pendurou acima do quadro-negro (ou melhor, do quadro-verde), duas imagens religiosas. Uma era Jesus-Cristo-Bem-Loirinho, cara de artista de cinema, triiiiiiiiiiste que dá pena (um dia desses eu vi uma representação de Jesus Moço Loirinho sorrindo, com cara de surfista. Achei da hora. Mas lá, não, ele sofria, como sempre). A outra, um anjo subindo aos céus, com umas trombetas, umas harpas, coisa muito da importante.
Nem precisa dizer que não dava, eu é que não ia ensinar geografia daquele jeito. Mas, assumindo alguns pressupostos que, depois eu soube, eram meros frutos da minha tola imaginação pedagógica, como o de uma equipe escolar que age num sentido comum, tentei incluir a discussão na pauta das reuniões. Manter a laicidade daquele espaço, pensava eu, não era uma questão competente apenas às aulas de geografia da professora Eulália. Se aquele tipo de apropriação do espaço fosse naturalizada, como se sentiriam os pequeninos que, eventualmente, fossem judeus, muçulmanos, seguidores do candomblé, ateus?
Daí se iniciava a seqüência de presepadas tão peculiares às repartições públicas. Começou assim: eu, muito bestinha, nova na equipe, tendo ingressado no meio de um semestre letivo, meio tímida e meio intimidada, ao invés de falar sobre o assunto, resolvi confiar numa pessoa que até então havia demonstrado bom senso em várias situações e, em tese, estaria numa posição mais confortável que a minha para conduzir um tema polêmico na reunião. Era a Coordenadora Pedagógica. Eu escrevi o tópico num papel da seguinte maneira: "sugiro incluir na pauta: imagens religiosas em sala". Resposta, igualmente num papel: "Pode deixar que resolveremos de maneira silenciosa".
Certo, pensei. Bom, acho que então a maluca sou eu, é isso. Vou esperar que a coisa se resolva de maneira silenciosa, deve ser o mais sensato. Mas, enquanto eu esperava, simplesmente não podia ministrar aulas sobre a origem do universo, o sistema solar, as características do conhecimento científico, sendo vigiada por Cristo e pelos anjos do Apocalipse. Então, para cooperar com a "solução silenciosa", como boa subordinada, eu chegava cinco minutos mais cedo que os alunos na sala, subia numa cadeirinha e - lógico - tirava as duas imagens e as deixava escondidinhas. Ao final do dia, colocava de volta - e pensava que no dia seguinte, se Deus quisesse, elas não estariam mais lá. Assim fiz eu, durante a primeira semana. E a segunda. Mas, lá pelo vigésimo dia, achei que a tal "solução silenciosa" havia sido tomada em prol da Santa Trindade. Então, pra ver o que acontecia, comecei a "esquecer" de colocar de volta na parede Jesus e os Anjos.
Ato contínuo, os rumores começam a se espalhar pela escola. Alguém anda tirando do lugar os quadros da professora Fulana. Logo ela, que se preocupa tanto em trabalhar valores, coisa fundamental, coisa tão séria. Daí, vou descobrindo aos poucos: o professor de matemática, que parecia tão diferente, todos os dias termina o período ligando o aparelho de som, eu chego, "que bonito, professor, um chorinho!", e ele: "ah, tem que sair da mesmice. Eu ponho todos os dias, um dia um choro, um dia um gospel, acho muito importante." E me dá as costas assobiando.
E, no corredor, umas expressões de desconfiança na minha direção. Não demorou nada, os alunos vieram também me perguntar, se Jesus me incomodava, se eu era contra. Não, eu sou cristã, respondia. Mas este espaço não é um templo, e a orientação religiosa da professora não pode preponderar sobre a de ninguém. E por aí a coisa ia.
Até que um dia, descendo as escadarias, deixei escapar numa conversa: "Ora, se a questão é de valores, vou pendurar uma foto do Che Guevara!"
Aí, lascou-se. Tenho até preguiça de tentar lembrar todo o potencial subversivo que minha pessoinha passou a simbolizar. Durante algum tempo, alguns não falavam comigo direito. Como bons fascistas, aproveitavam para se manifestar sempre que estavam em maior número. E sempre com as provocações mais baratas e irritantes. Ao menos para lidar com isso, eu sou bem treinada. As situações eram mais ou menos assim:
"O Lula, aquele analfabeto, você viu agora, que pachorrento, que desaforento?"
"Ladrão, ignorante!"
Aí as pessoas pensam que o esquerdista que está sofrendo assédio moral vai descer do salto. Não pode, nessa hora a gente não desce:
"Por favor, respeitem o meu querido presidente da República. Gostaria de lembrar que estamos numa democracia, ele foi escolhido por mais de cinqüenta por cento dos eleitores. Assim, esta agressão não se dirige a ele, mas à maioria da população brasileira."
"Com você eu não converso, você é ideológica."
E eu, com o máximo de cortesia, às vezes até com carinho:
"Nosso trabalho é coletivo por definição. Sua decisão incorre em carência de profissionalismo. Você não tem esta opção."
E assim se passaram as minhas últimas semanas naquela repartição, toureando de um lado os católicos progressistas dos anos oitenta, do outro os tucanos frustrados por ter que conviver com crianças pobres em troca da "estabilidade" funcional. E, caindo sobre a minha cabeça, os alunos - que só tocavam puteiro.
Saí de lá, pedi exoneração, fui fazer outras coisas. Voltei para a rede no ano seguinte, em outra escola. De lá, só queria algumas folhas de papel vegetal, e uns isopores que eu havia comprado para fazer maquete. Então, meio ano depois de tudo que contei aqui, dou de novo uma passadinha por lá...
A Coordenadora Pedagógica, nem um pouco surpresa com minha visita, como se tivesse me visto ontem, ou há duas horas, pergunta:

"Eulália, você esteve por aqui uns meses atrás?"
"Não, Fulana."
"Não, mesmo, tem certeza?"
"Absoluta. Estive aqui no primeiro semestre do ano passado."
"Tem certeza que você não sabe nada sobre as imagens religiosas que havia nas classes?"
(Havia?)
"Claro que não sei. O que eu vou saber?"
"Sumiram as imagens. Disseram que só podia ter sido você."
(!!!)
"Pode dizer que fui eu, em espírito! Tchau, Fulana!!!"

sábado, 8 de novembro de 2008

RESUMO DA SEMANA ESCOLAR

registro de eventos intra-oficiais de minha escola, que conta algumas histórias, além do cotidiano de preparar aula, corrigir atividades, dar as aulas, etecetera e etecetera:

sexta-feira, 31 de outubro: bateram na porta da minha sala, durante a 5ª aula, para dar uma força para a Coordenação da escola. tinha acontecido uma briga e o pátio estava o Caos. para entender: como a troca de aula de professores na minha escola é novo intervalo para os alunos - todos saem da sala, todas as aulas, inclusive perdemos quase que uns dez minutos em cada início de nova aula - alguns alunos da 8ª estavam com "brincadeirinha de mão" com os alunos da 6ª, os alunos do ensino médio se doeram e começou o pau. voou até um banco de dois metros na cabeça de um aluno e nos pés de outro. algumas turmas foram dispensadas mais cedo. o bicho pegou.

segunda-feira, 03 de novembro: reunião extraordinária entre professores, coordenação e direção. conversamos sobre o ocorrido de sexta, o ocorrido de vários dias, o fato do período manhã estar abandonado, o fato de um grupo de alunos fazerem o que quer sem que nada aconteçam. discutimos, conversamos, alguns falaram. conversa vai, conversa vem. conversa.

terça-feira, 04 de novembro: alunos pegaram a porta de um armário - melhor dizer, arrancaram - e jogaram contra a recém instalada luminária de um corredor. resultado, duas lâmpadas fluorescentes moídas no corredor, luminária amassada. ninguém viu, ninguém sabe quem foi (você acredita em papai noel?). ninguém foi responsabilizado.

quarta-feira, 05 de novembro: aqui eu vou enumerar, se eu lembrar; 1) durante a aula de educação física de uma sala, os alunos estavam na quadra, outros alunos entraram nesta sala, fuçaram nas coisas dos alunos. resultado: levaram dinheiro, outros objetos, e tacaram fogo no lixo. estava indo para outra sala mas vi o que aconteceu na sala: fumaça total, alunos sem condições de entrar, assistir aula. ah, detalhe: a porta do hidrante do corredor ESTAVA AMARRADA COM UM CADARÇO, impossibilitando a sua abertura;

2) como rescaldo ainda da briga de sexta-feira, na qual poucas providências tomadas, nenhuma solução efetiva, um grupo de aproximadamente seis alunos, adolescentes - dezesseis, dezessete anos - espancaram UM aluno de uma sala. isso mesmo, seis contra um. o aluno ficou bem machucado, outros ficaram bem assustados.

e 3) uma pessoa ligada a Coordenação da escola, foi xingada em alto e bom som de: vaca, vadia e vagabunda, além do stress geral que foi a situação.

DETALHE: no dia seguinte, as pessoas envolvidas nestas situações, tanto alunos que bateram ou xingaram, estavam na escola circulando normalmente. pensei em colocar "assistiram aula normalmente", mas estes alunos não assistem as aulas.

quinta-feira, 06 de novembro: depois de EU separar uma briga de adolescentes da 7ª série na saída das aulas, uma professora veio me procurar pois um aluno meu estava no posto de saúde passando mau. aluno meu, mas não foi na minha aula, pergunto: quem deveria dar conta do caso? bom, mas EU não podia me omitir da situação, fui no posto. o aluno estava com uma dor abdominal aguda, a médica que o atendeu não acreditava ser apendicite, mas só um exame podia confirmar. teria que ser levado para um hospital. o hospital de ermelino não tinha ambulância. o SAMU, ATENDENDO POR TELEFONE, DECIDIU QUE O MENINO NÃO CORRIA RISCO DE VIDA, NÃO IA ENVIAR A AMBULÂNCIA. a médica falou se eu não podia levar. sim, eu podia, mas parece que tudo acontece e só procuram EU, EU, EU. bom, EU fui na escola e repassei a situação. não estava em condições de levar ninguém, tinha acabado de separar uma briga, a escola não sou EU, somos TODOS, alguém também poderia levá-lo. conseguimos o transporte. o aluno foi encaminhado ao hospital.

sexta-feira, 07 de novembro. pedi a minha folga TRE, estava um trapo, um fiapo do que poderia ser chamado de ser humano. sem condições de trabalho.

apenas para constar: faço aqui estes relatos pois escrever é a minha terapia, em primeiro lugar. segundo: além de comunicar nos lugares de direito, faço-o aqui para as pessoas saberem do que se passa e, que nenhum problema começa grande, e as tragédias são denunciadas, mas nem sempre isso significa resolver alguma coisa. e terceiro: um livro acho que foi pouco, já estou pensando em escrever um filme.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Elogio

" - Professora, você é de onde, da Bahia ou do Ceará?"

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

É muito doloroso ler sobre tamanhas escrotices acontecendo no interior de nossas escolas públicas. E ainda ter que admitir que não se trata de uma exceção.
Acho que a presença da prof. Eulália evitou que a perda da dignidade chegasse à perda da humanidade (como no caso da aluna que teve o surto). Mas acho que não há lucidez que dê conta de tanta sordidez.
Cada vez menos é possível acreditar nA "HUMANIDADE".

Resta-nos uns aos outros.

sábado, 1 de novembro de 2008

Pra não dizerem que eu só falo de flores...

Acho que quem resolve trabalhar com os pobres, com os mais pobres ainda que a gente, passa muito tempo brincando de "jogo do contente". É normal, é justo, provavelmente é a única forma possível de sobrevivência digna. Mas tem limite. E acho que o limite é esse mesmo, a dignidade. Não só a nossa, não só a do outro. A dignidade de saber que não se está enganando a ninguém. Que não se está enganando a si mesmo.


Parafraseando meu tio Evaldo, que por sua vez diz isso parafraseando um filme cujo nome ele não recorda, a minha história é longa, e muito desinteressante. Vou tentar, portanto, resumir muito: trabalho na educação municipal há três anos e meio, passei pelos mais variados perfis de escola. Cheguei a elaborar uma pequena tipologia:



1. "Escola-várzea-terra-de-ninguém": Não tem direção, absolutamente ninguém se responsabiliza pelo que ocorre lá dentro. Pode ser no centro expandido ou na periferia. A minha ficava bem no meio de uma favela no Heliópolis - o que parecia tornar as coisas um pouco mais complicadas. O nome desta escola, em particular, é EMEF Gonzaguinha. As instalações remetiam a um presídio comandado pelo PCC. Quem dera fosse a única nesta categoria. Tendo a crer que não seja nem mesmo minoria, quem dirá que é exceção....



2. "Escola-bonita-a-fim-de-dar-certo": Era, na época, o CEU Meninos. A estrutura física maravilhosa que nossa querida prefeita deixou, público de periferia, equipe afinada. O ambiente levantava o astral dos alunos, dos habitantes do bairro - já que, mais do que uma escola, o CEU era concebido como espaço público, e, principalmente, o nosso, pois tantos de nós estávamos já quase conformados com a condição de quase carcereiros, conseqüência das costumeiras instalações em forma de presídio. Nesta época, mais que tudo, tive a sorte de trabalhar junto com a maravilhosa professora Branca, deste coletivo. Viajando para lá de busão, nos longos trajetos de ida e volta, foi que nos afinamos tanto em termos de visão e posicionamento prático, teórico, político, filosófico e pedagógico, além das trocas geográficas necessárias. A professora Branca tem sua hipótese sobre a equipe tranqüila e afinada do CEU Meninos: a escola era nova, não havia formado "panelas" de convívio, não havia viciado as estruturas de poder. Não havia ali tantas mágoas acumuladas nas eternas confusões entre vida pública e vida privada do funcionalismo de uma repartição. Eu acho que faz muito sentido. A orientação do trabalho, em uma equipe afinada, é influenciada por todas as diretrizes presentes na ideologia, mas o que acaba sendo mais forte é a prática, a resolução dos problemas que se apresentam numa realidade específica, e isso é bem rico.



3. "Escola-na-crista-da-onda-do-discurso-pedagógico": Era a EMEF Olavo Pezzotti, na Vila Madalena. Sinto que preciso resumir mais. Esta escola tinha o quadro profissional fortemente influenciado pelo pensamento pedagógico, particularmente as tradições católicas dos anos oitenta. Então, o pessoal se esforçava para entender as novas orientações da ciência pedagógica, que resolveriam seus problemas, a diretora, inteligentíssima, procurava estar sempre muito atualizada neste quesito - e o fazia magistralmente. No entanto, esta escola sofria de um mal que eu atribuo justamente à adesão às teorias da ciência educativa: a total falta de limites OBJETIVOS para o comportamento do educando. Como criança não é burra e jovem é outro papo, não demorava muito para os alunos perceberem que ali mandava quem podia (os grandes), obedecia quem tinha juízo (os pequenos), e que os adultos podiam ser visto como uns empecilhos meio chatos, uns maiores, outros menores, alguns como amiguinhos, outros como pinos de boliche, outros ainda como uns cachorros que ficavam latindo no caminho e às vezes mordiam.

Então, na prática, a tal escola-moderna-dos-pobres era muito parecida com aquela, a categoria 1, a terra-de-ninguém. Com a distinção de que aqui os adultos não desertavam, apenas fracassavam de maneira retumbante. Faço também a ressalva de que a realidade com que tive contato foi o curso de quinta a oitava séries, havia umas histórias de que com os pequenos, de tarde, era diferente. Pode ser mesmo verdade, já que, bem ou mal, os pequenos são pequenos, todos menores que os adultos, há objetividade nisto. Além disso, parece que os esforços da direção estavam mais canalizados para as professoras de primeira a quarta.



4. Escola-tradicional-disciplinadora: É nesta que eu trabalho atualmente, pela convicção, formada na prática, de que os limites para o aluno têm que ser objetivos. Esta é a condição mínima para o trabalho, ponto de partida para qualquer ação educacional. Já mencionei esta convicção em outro texto, quando falei sobre assumir a falibilidade - nenhum trabalho pode ser encarado como infalível, ainda mais em se tratando de ser humano. Falar que não pode dar errado, que nenhum aluno pode ser excluído, é um sofisma. Só tem coragem de dizer que não falha quem mente de maneira deslavada.

Bom, isso é um ponto. Baseada nele, fui para lá. Ali, é relativamente fácil construir uma relação tranqüila com os educandos, ocupar o lugar da autoridade, como se diz. Fácil, porque há o indispensável respaldo institucional. Baseada neste mesmo ponto, tenho gastado tempo e energia para unir meus esforços aos de outras pessoas que gostam de ensinar e, pela mesma razão, resolveram estar ali.
Outro ponto é o que acontece, na prática, quando uma escola conservadora assume sua vocação para reformatório...


Terminada a breve (espero ter sido breve) exposição da minha fantástica tipologia, voltemos ao jogo do contente. É o que eu tenho feito todos os dias, para ter êxito em aproveitar o que esta instituição oferece (além do "respaldo disciplinar", que dá chance de tentar de muitos jeitos vencer as dificuldades criadas nos alunos - muitas vezes, criadas pelo próprio "respaldo disciplinar", as ótimas intalações e equipamentos).

Mas agora estou profundamente cansada.

A disciplina vazia de sentido é muito malvada, muito violenta, e eu simplesmente não agüento mais conviver com adultos que trabalham com criança sem gostar de criança, com pobre sem gostar de pobre. Pra tentar resumir a merda que tem sido esse ambiente, só vou contar que esta semana tive que ficar em sala com uma aluna de doze anos que chorava copiosamente por que apanhou da mãe (havia mentido, e roubado cinco reais, me contou no banheiro, pediu pelo amor de deus pra ser ouvida). Ninguém na turma era solidário, ela é muito mal-quista (é discriminada, sobretudo, por sua conduta sexual). O roubo, deduzi, foi para comprar a caixa de chicletes que ela andou distribuindo dois dias antes, para ver se arrumava algum amigo (os outros, que não gostam dela, me contaram isso porque sabem que eu não permito os chicletes). Precisava ela sair dali, então, tentem imaginar a cena: a figura que é motivo de chacota de todo o mundo, chorando sem parar em público, com expressão de dor profunda, e um certo silêncio sorridente da parte de várias pessoinhas (que, com doze anos, já se pode ser bem filho da puta). Meu Deus! Daí, fui tentar providenciar que ela ficasse lendo gibi, sossegada, sozinha, até se acalmar ao menos, ou até que eu pudesse dar mais atenção (eu já havia passado uns dez minutos antes da aula começar junto com ela). A adulta-minha-superiora disse que, no máximo, poderia chamar a mãe. Expliquei para minha superiora que a origem da crise era a relação com a mãe, e que era preferível deixar ao menos aquele desespero passar. Escutei quase uma bronca: "E por acaso você sabe o que ela fez? Sabe POR QUE a mãe bateu nela? ? " Respirei, para ficar mais calma. "Não sei se isso importa agora, e sinceramente gostaria que, enquanto ela não se acalmar, ninguém tentasse falar com ela" Pra terminar o assunto, lembrei da história da Shéslida, dizendo que estou muito traumatizada desde que a menina da oitava série teve um surto ali mesmo, sendo inquerida sobre, não por acaso, um roubo (atentado mais grave que um pobre pode cometer, contra a legítima e sacrossanta propriedade), por esta mesma superiora. A moça tentou se matar, ficou completamente fora de controle, bateu em três adultos grandes ao mesmo tempo, teve que ir sedada para a clínica psiquiátrica. Não apareceu mais na escola. E vejam como os incríveis adultos enfrentaram a questão: a moça é puta, trepa. E agora, ainda rouba. Que fazer?

Que fazer com esses educadores, pergunto eu? O jogo do contente, parece, ultrapassou o limite da indignidade.

Halloween na Bahia

Ontem, as crianças da minha escola estavam em polvorosa com a data comemorativa. Eu, particularmente, recebi cumprimentos em quase todas as salas: "Feliz Halloween, professora!". A cada vez, respondia: "Obrigada, mas... vocês então estão me cumprimentando pelo dia das bruxas?" "Ai, professora, que que é isso?" e eu: "HAHAHAHAHA!!".
Bom, mas aí, como ser politicamente correto que sou, começava a previsível ladainha sobre a origem desta comemoração, sobre a maneira como tomamos contato com ela, sobre a compulsoriedade nem sempre percebida nesta influência cultural. Teve uma sala, a sexta cê, onde eu vivo muito brava, em que eu não resisti e comecei a fala assim: "É claro que eu também gosto de todas as festas, e tenho uma tendência a me sentir particularmente bem no dia das bruxas...", e eles "Aaaaaaaai! Por isso que ela tem aquela risada! Você já ouviu a risada dela?"
E como ser duas vezes politicamente correto que sou, logo em seguida passava a palavra para os alunos:
"Bom, como foi que vocês ficaram sabendo dessa festa?"
(resposta mais ou menos previsível: a televisão.)
"E como é, o que vocês sabem?"
Aí, eu caí do cavalo. Primeiro, a resposta padrão aparecia algumas vezes: "Doces ou travessuras", essa parafernália. Mas, na seqüência, vejam vocês:
"Meu pai disse, professora, que lá na Bahia, na noite do dia das bruxas, nasce uma criança metade gato-metade sereia!"
"E é verdade?"
"Claro que é verdade!"
"É nada!"
"Não, lá na Bahia, no Halloween, se uma menina nasce na família que tem seis meninas, nasce bruxa! Se for menino, e já tiver seis meninos, é lobisomem..."
E continuava.

Resumindo: achei bem chato ter que entrar de novo naquele registro todo politicamente correto, "dia do saci", protesto, tal. Por mim, a gente ficava mais uma semana tentando descobrir como que é o tal Halloween na Bahia. Só não foi mais chato porque no início da aula eu tinha sido meio frouxa, deixado os meninos ficarem de capuz - eu sempre azucrino até que eles tirem. Então, quando a aula estava terminando, eu completava assim: "Então, em homenagem ao saci, Bruno, Luan e Guilherme hoje resolveram ficar o dia inteiro de capuz!" HAHAHA!!!
Eles tiravam na mesma hora.